UM FURO NO FUTURO
UM
FURO NO FUTURO
(Ao
amigo Justino Sarmento Rezende)
Tenho verdadeira fascinação com o
tempo. Gosto de pensar nele, imaginá-lo, entendê-lo nas suas mais complexas variações.
Às vezes me pego observando as
pessoas apenas para vê-las “usando” seu tempo. Sento-me na praça de minha
pequena cidade para olhar as crianças, os jovens, os velhos que jogam carta. Fico
ali apreciando, ou melhor, exercitando minha imaginação tentando encontrar uma
pequena centelha de explicação para compreender o tempo que passa naquele exato
momento em que estou ali. Apenas o vento que bate nas árvores – quando bate –
me dá a sensação de concretude. De resto, tudo é pura imaginação.
É provável que alguém esteja se
perguntando o motivo pelo qual faço o que faço. Não saberia respondê-lo de
maneira objetiva. Acho que ninguém jamais irá sabê-lo.
Particularmente aprendi a olhar o
tempo como algo real apenas no exato momento em que estou escrevendo este
texto. Sei também que esta minha ação é fruto de uma história passada,
inventividade humana que dominou mecanismos, instrumentos, fórmulas para
oferecer-me neste meu momento a máquina que está à minha frente recebendo meus
pensamentos. Sim. A verdade é que meu pensamento pode ficar registrado no texto
que escrevo e compartilho com quem o lê. Tenho, portanto, diante de mim a memória que traz consigo o passado e o agora que me permite, inclusive, debruçar-me
sobre o tempo que já fez parte da saga de meus ancestrais.
A questão que me coloco no momento,
no entanto, é como juntar o passado ao presente e fazer com que essa mistura de
tempo me permita, por um breve instante, antever um tempo que não tenho, mais
conhecido como futuro? É que me parece que é na fricção entre os tempos que se
abre uma pequena brecha que nos permite perceber a emersão do tempo vindouro. Talvez
seja a isso que os religiosos chamam profecia;
os economistas, especulação; os
artistas, inspiração; os esotéricos,
transformação; os jovens, oportunidade.

Se fosse um profeta diria que é
tempo de conversão; se economista, de economizar; se artista, de profetizar; se
esotérico, de silenciar; se jovem, de criar. Como sou apenas um filho de
selvagens, como reza a lenda, permaneço na mais completa ignorância permitindo
que o tempo faça em mim marcas capazes de orgulhar meus ancestrais.
Sei que alguém poderá dizer que
estou louco. Não estou louco, nem bêbado, nem drogado. Tampouco estou lúcido
(com luz). Conheço, no entanto, um louco que me inspirou este texto. Ele era
maluco porque conseguia antever as coisas dentro de seu universo transloucado. É
dele a mais completa definição do tempo que eu conheço. É uma definição que
escapa à religião e à ciência; ao esoterismo e à economia. É pura intuição. Coisa
de maluco beleza: “O hoje é apenas um
furo no futuro, por onde o passado começa a jorrar” (Raul Seixas).
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