A MOÇA ALDEÃ E O ALAZÃO
Eis que um dia estava eu em visita a um museu europeu - de que não lembro o nome - e me deparei com o quadro abaixo. Fiquei um bom tempo ali imaginando a cena que se desenrolava. No frisson do momento, fiz o texto abaixo. Pura licença poética. Espero que gostem.
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A MOÇA ALDEÃ
E O ALAZÃO
A menina desmontou lentamente do alazão branco
que a trouxera da aldeia até aquele reduto onde costumeiramente se refugiava
para tomar seu banho longe dos olhares curiosos dos aldeões.
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Aliviada
dos afazeres do lar, a jovem procurou um lugar sob frondosa árvore que lhe
permitia admirar a lagoa que se formava sob a queda d’água que a menina jurava
ter sido colocada ali para seu deleite.
Lentamente
desatou os longos cabelos louros, presos que estavam no alto da cabeça. Fez
isso saboreando cada segundo, sentindo o vento que soprava sua nuca arrepiando
os pelos que cobriam sua alva pele.
Já de
cabelos soltos baixou o corpo na direção do rio e com as mãos em concha pegou
um punhado de água e passou pelo pescoço para sentir a frescura que causava.
Distraidamente olhou sua imagem levemente deformada pelo movimento da água e
sorriu ao deparar-se com mínimas rugas que já despontavam em volta de seus
olhos juvenis.
Em
novo movimento despiu a blusa deixando-a nua da cintura para cima. O gesto
deu-lhe sensação da liberdade que tanto prezava e que lhe era negada em sua
própria aldeia. Por longos minutos ficou saboreando o gosto daquele sentimento.
Seus olhos fechados, mão direita no queixo adunco; mão esquerda apalpando o
vento brincalhão; o tempo passando pequeno. Vivendo aquele momento não se
sentiu pressionada, não se sentiu observada por olhos famintos. Não sentiu
vergonha de si. Ali havia um único sentimento: a certeza de que estava no lugar
certo.
Sorriu.
Ainda de olhos cerrados deslizou suas mãos até
a longa saia que lhe cobria a intimidade. Parou-as por um momento
permitindo-se sentir um longo arrepio percorrendo-lhe o corpo. Um suspiro vindo
do fundo de si denunciava ausência de outras mãos. Este pensamento não a
agradou. Preferia a ausência certa que a presença duvidosa. Apressou-se em
baixar a saia e a peça íntima que escondia sua completa nudez. De cabeça
erguida para o alto como quem busca estrelas ao meio dia, rodopiou na ponta dos
pés como quem dança balé. Pura sensação de liberdade! Sorriu novamente e sem
pensar duas vezes atirou-se sobre o rio permanecendo muito tempo sob as águas
enquanto pensava na sereia que um dia desejara ser. Quando o ar faltou-lhe
subiu à superfície. Seus cabelos molhados caiam-lhe na face obrigando-a fechar
os olhos claros enquanto sentia o frescor da tarde que anunciava partida.
Nesse
ínfimo instante percebeu-se vigiada. Um átimo de segundo foi o suficiente para
chegar à margem do lago e segurar o tecido felpudo que trouxera para secar o
corpo molhado. Também neste átimo notou que uma mão segurava a outra
extremidade do pano. Seu pânico cresceu quando seus olhos se depararam com dois
pares de olhos que lhe digeriam. Ainda tentou desvencilhar-se, mas sua força
era fraca e não conseguiu vencer seu opositor. Preferiu sentar no banco
improvisados e cobrir sua nudez dos olhos famintos.
-
Hoje queremos você, menina. Há tempos vigiamos seus passos. Há tempos que
nossos olhos passeiam seu corpo perfeito.
-
Meus tios devem saber que o pecado ronda esse tipo de desejo.
- Não
nos importam o pecado ou a santidade. O que nos move é o desejo. É ele que
queremos satisfazer neste momento.
-
Meus tios não vão querer que toda aldeia conheça suas fraquezas, suponho.
- Já
somos velhos demais para temermos o falatório das pessoas. Tudo o que queremos
está à nossa frente.
A moça aldeã percebeu que argumentos
seriam inúteis naquela peleja. Sabia que apenas queria adiar o inevitável. Viu
que não iria convencer os dois homens a desistirem de seu intento. No desespero
que lhe ameaçava romper o coração, elevou uma prece surda aos céus pedindo a intercessão
das divindades. Silêncio apenas. Um dos velhos grunhiu um sorriso vencedor.
Aproximou-se para sentir o perfume natural daquele corpo jovem. A moça
encolheu-se achando tratar-se de um
destino inefável. O outro homem também aproximou-se e tocou-lhe levemente a mão
direita. A moça estremeceu. Menos de prazer que de asco. Fechou os olhos
esperando o ataque. Sentiu apenas a lufada de um vento forte que lhe cortou a
desesperança. Ouviu o baque surdo da queda de um corpo; em seguida, outro.
Sentiu que o tecido estava leve e livre. Não quis abrir os olhos de uma vez.
Respirou fundo buscando coragem e quando abriu os lindos olhos claros, seu
alazão estava bem próximo a si e sob suas patas jaziam dois corpos que
enfeiavam a bela paisagem.
A
moça entendeu. Despida sob o pano felpudo montou o alazão e partiu para nunca
mais.
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