O Papa e Eu
O Papa e Eu
Estive frente a frente com o papa João Paulo II. Isso aconteceu
em 1980 e eu tinha 16 anos.
À época eu havia acabado de entrar no seminário diocesano Pio
X na cidade de Ananindeua, no Pará. Minha vontade era ser salesiano, mas não fui
aceito e o destino se encarregou de
me colocar no seminário diocesano para viver essa experiência.
Como sempre acontece nas visitas papais, entre uma atividade
e outra o pontífice se retira para um descanso. Em sua passagem por Belém sua
comitiva escolhera nosso seminário para acolher o santo descanso do santo
padre. A notícia nos pegou todos de surpresa. Claro, ficamos eufóricos e
trabalhamos desesperadamente para organizar a casa para receber o símbolo maior
de nossa religião. Cheios de efusivas alegrias nos dedicamos plenamente para
aquele momento.

Lembro como se fosse hoje. João Paulo II entrou no seminário
com passos firmes. Ao longo do corredor que o conduziria para seus aposentos,
os seminaristas formamos um corredor polonês (muito apropriado para a visita de
um polonês) e enquanto ele passava ia abençoando-nos de forma sorridente e
feliz. Como novato que era me foi reservado um lugar bem ao final do corredor,
local que provavelmente nem seria contemplado pelos olhares do pontífice. E seria
assim se na hora H eu não tivesse me projetado à frente para tornar-me visível.
Ele parece ter notado meu esforço. Pegou levemente em minha mão, olhou-me nos
olhos e fez o sinal da cruz sobre minha testa e pousou sua mão sobre minha
cabeça e assim permaneceu por infindáveis cinco segundos. Depois permitiu que
lhe beijasse a mão enquanto adentrava em seu quarto.
Não preciso dizer o tamanho de minha felicidade. O novato
tinha recebido a maior atenção do papa que a maioria dos veteranos! O sinal
feito em minha testa era uma assinatura. Sentia-me marcado para um futuro que
me parecia surpreendente.
O tempo passou. Anos depois saí do seminário e do ideal que
perseguia. Achei que a hora era para outras experiências. Havia coisas que
precisava viver para sentir-me parte do mundo. Havia chegado ao limite de minha
paciência clerical. Era o ano de 1986. Outro sinal me havia aparecido no
horizonte e despertara em mim novos desejos. Achei que era a mão do destino me chamando para outra tarefa.
Lembro que, ao tomar a decisão de deixar o seminário, revivi
meu encontro com o papa. Em minha meditação comecei a pensar que a benção papal
tinha um prazo de validade. Ela não era para a vida inteira e nem
necessariamente para o que eu queria. Aquela benção era também um alerta: o
mundo precisava de minha sanidade e não de minha santidade. Precisava de minha
palavra, não de minha conformidade. Precisava de meus sonhos e não de minhas realizações.
Eu estava marcado, mas não prisioneiro.
Ao acompanhar timidamente a presença do papa Francisco ao
Brasil algo na minha testa começou a formigar novamente. Parece que ele veio
trazer um novo alento de esperança. Veio resgatar a sanidade ao mundo. Ele anda
repetindo por aí o que tenho dito desde sempre seguindo o modelo que aprendi
dos meus avós indígenas: a necessidade de olhar para as crianças, como crianças
e não como adultos em miniaturas; os jovens, como jovens e não como marionetes;
os velhos, como fonte de inspiração e não como restos. Ele está dizendo para não
nos permitirmos permanecer na forma para sermos iguais, mas sermos criativos e
dar mais crédito aos nossos sonhos, desde que eles não nos escravizem na tola
ideia de que ser alguém é ter sucesso financeiro. Acho que ele também recebeu o
sinal do destino. Ele é um de nós!
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