Pular para o conteúdo principal

CARTAS DOS ESTUDANTES MUNDURUKU- PROTESTO CONTRA A VIOLÊNCIA

Cartas dos estudantes munduruku- Protesto contra a violência

CARTAS DOS ESTUDANTES MUNDURUKU- PROTESTO CONTRA A VIOLÊNCIA

MENSAGENS DO POVO MUNDURUKU À NAÇÃO BRASILEIRA E AO MUNDO

As cartas que compartilho abaixo foram escritas durante as aulas de Antropologia do Projeto Ibaorebu de Ensino Médio Integrado Munduruku, com o propósito de dar VOZ aos Munduruku e divulgar o que vivem, o que pensam e o que sentem, especialmente nesse momento de ameaças e violações extremas aos direitos indígenas.
O Projeto Ibaorebu é executado pela Fundação Nacional do Índio e coordenado pelo indigenista e historiador André Ramos, possui mais de 200 alunos, divididos entre as turmas de Magistério Intercultural, Técnico em Enfermagem e Técnico em Agroecologia. Trata-se, sobretudo, de um Projeto construído com e para os Munduruku, configurando-se como um raro exemplo de educação escolar diferenciada e de qualidade. O Ibaorebu tem se constituído, assim, como um espaço privilegiado de exercício da autonomia e do protagonismo Munduruku.
Os autores destas cartas são alunos e alunas das turmas de Magistério Intercultural, que também atuam como professores nas escolas de suas comunidades e, portanto, exercem um papel essencial de formação e informação. Foram eles, os autores, que solicitaram a divulgação das suas palavras, para que o Brasil e o mundo soubessem do que o Povo Munduruku vem enfrentando.
Brasília, 21 de dezembro de 2012.
Izabel Gobbi
Antropóloga
Professora de Antropologia no Projeto Ibaorebu
Coordenação de Processos Educativos – CGPC/FUNAI
***

“Noticiário Munduruku”

“Nós, alunos do Projeto Ibaorebu e comunidades Munduruku, localizadas no Município de Jacareacanga, estado do Pará, Brasil, vimos por meio desta reivindicar ao Governo nacional e entidades internacionais a revogação da Portaria 303 da AGU e PEC 215, pois desrespeitam os direitos dos Povos Indígenas garantidos na Constituição Federal de 1988. As referidas Portarias são ameaçadoras para a preservação do território indígena e suas culturas. Na oportunidade reivindicamos atenção dos governantes para que os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal sejam respeitados e cumpridos.
Ressaltamos, ainda, nossa preocupação diante dos grandes projetos do Governo, especialmente as HIDRELÉTRICAS, que afetarão o nosso território tradicional, nossa cultura, causando futuramente o desaparecimento da nossa história milenar, o desaparecimento dos lugares sagrados, nos impedindo de praticarmos nossa religiosidade tradicional.
Ressaltamos os fatos chocantes ocorridos com o povo Munduruku, como o ataque dos Policiais Federais, na Aldeia Teles Pires, quando ocorreu o assassinato de um indígena Munduruku, o que abalou diretamente todo o Povo Munduruku.
Diante disso pedimos aos governantes do mundo valorização e respeito para com os povos indígenas, e que a justiça seja feita para punir os culpados da morte do parente. O que os Policiais Federais cometeram é injustiça contra a nação Munduruku, somos oriundos dessa terra e merecemos respeito.
Não somos assassinos e nem bandidos para sermos atacados pela polícia, somos um povo que tem história, a língua e a cultura, merecemos ter paz e vida digna para manter os nossos costumes e repassar esse conhecimento de geração em geração.
A nossa luta sempre continua em defesa do nosso direito.”
***

“Carta dos Munduruku à Nação Brasileira”

“Sai-Cinza, 05 de dezembro de 2012.
Nós, alunos do Projeto Ibaorebu, vimos por esta carta aberta trazer informações importantes sobre nossa realidade, noticiar fatos que trarão grandes transtornos à nossa sobrevivência cultural enquanto povo, enquanto nação, nesse país.
Bom dia, parentes de todo o país, todos os brasileiros, de todas as regiões, das cidades, dos lugares mais distantes e isolados. O que temos enfrentado são muitas dificuldades, mas a maior de todas é o que estamos vivenciando no momento, com as ameaças das construções dos complexos hidrelétricos em nossos rios, fora os garimpos e outros assuntos que estamos discutindo, desde muito tempo.
Queremos que o Governo, as autoridades, respeitem as nossas conquistas, as nossas lutas, nosso território, nossas riquezas, nossa cultura, nossa biodiversidade. Por mais que a nossa Terra Tradicional esteja demarcada, em face disso estamos enfrentando o maior pesadelo, que são as construções das usinas hidrelétricas ao longo de nosso rio.
Como podemos viver, sobreviver, sem a nossa história? Como podemos preservar e continuar com a nossa cultura milenar? Como continuar existindo, se os projetos ameaçam nossa sobrevivência física e cultural?
Somos protetores da natureza, vivemos dela, sobrevivemos e somos parte dela. Portanto, as conquistas não foram fáceis, houve lutas e mortes. Os nossos pais morreram lutando. Agora querem destruir os nossos sonhos. Querem passar por cima das leis, das nossas conquistas, dos nossos direitos. Temos direito à terra, à educação, e não merecemos isso. Portanto, lideranças políticas, ouçam os povos indígenas dessa nação!”

alunos mundurucu formandos
“Nós somos alunos da etnia Munduruku, localizados no sudoeste do Pará. Nós temos 118 aldeias, moramos na margem esquerda do Rio Tapajós, no município de Jacareacanga.
Viemos por meio desta manifestar a Vossa Excelência nossa preocupação com o grande projeto do Governo Federal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós. Será que os governantes não entendem a nossa Constituição Federal de 1988, especialmente os Artigos 231 e 232? Será que os não índios não entendem o nosso desenvolvimento e que o nosso processo é diferente dos brancos?
Os governantes estão nos desafiando: vocês não entendem que colocamos vocês para governar esse nosso país, Brasil. Se os Governos Federal, Estadual e Municipal não desistirem de construir barragens, já temos um plano para as próximas eleições, temos a nossa decisão e o futuro de vocês está em nossas mãos.
Nos deixem em paz! Não façam coisas ruins para nós, Povo Munduruku. Porque essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens.
O Governo não traz coisas que são importantes para a vida do nosso Povo Munduruku, para suprir as necessidades que temos, como: educação de qualidade, ensino médio e ensino superior diferenciado, posto de saúde adequado. Isso é importante para a vida do nosso povo. Agora, a destruição do nosso meio ambiente jamais aceitaremos e nunca deixaremos que isso aconteça. Porque nós já moramos há mais de 500 anos dentro da floresta, não tivemos contatos com não índios e não queremos transformar em mercadoria a nossa floresta! Porque a nossa mata, a nossa terra, os nossos rios, são a nossa mãe, a nossa vida.
Portanto, não destruímos o que guardamos com tanto carinho e com respeito, porque nela existem vários lugares sagrados, são importantes para a vida do nosso povo e para a vida dos animais. Guardamos nossa terra tradicionalmente. Jamais pensamos em fazer maldade com os não índios, não temos preconceito nenhum com os não índios. Eles que tem preconceito com os indígenas.
Finalizamos esta carta, que foi elaborada pelos estudantes do curso Magistério do Projeto Ibaorebu, dirigida aos irmãos indígenas e não indígenas, e às autoridades máximas. Pedimos apoio aos jovens e àquelas pessoas interessadas a ajudar o povo sofrido e preocupado.
Aldeia Sai-Cinza, 10 de dezembro de 2012”
***
“Somos Munduruku da região do Alto Tapajós, povo guerreiro e temido, certamente muito admirado por ter uma cultura diferente. Temos conhecimentos da natureza, sabemos de sua importância e utilidade para nosso modo de subsistência. Existe a biodiversidade, portanto, todo o nosso conhecimento está guardado ali. Por isso, nós não a destruímos porque dela tiramos algo importante.
A natureza existe porque os nossos antepassados se submeteram a um sacrifício para que houvesse a natureza em pé e ter sempre a vida. Na verdade, as árvores contêm o nosso sangue, portanto nos dá vida. Por essa razão, as respeitamos, não destruímos.
Temos a imensa riqueza, possuímos não para fazer grande acúmulo e, sim, deixar guardado com segurança e em seu devido lugar. Dependemos realmente dessa natureza, é ela que nos ensina, é ela que nos mantém seguros. Ela nos dá saúde, nos dá vida, nela existe toda fonte de riqueza. A natureza, para nós, é um sistema de equilíbrio e, por isso, temos harmonia. Para nós, ela é sagrada. Ela tem suas normas, regras e suas leis. Por isso que temos boas relações com ela e a respeitamos.
Não somos contra o desenvolvimento e nem o progresso. Mas somos totalmente contra a destruição da nossa floresta, isso causa impacto no nosso ambiente. NÓS NÃO ACEITAMOS O DESENVOLVIMENTO E O PROGRESSO DESSE TIPO. Somos contra a destruição da nossa floresta, somos contra a violação dos nossos direitos, como: violência, assassinatos, genocídios, discriminação, terras não demarcadas e desrespeito.
O Governo pensa em construir grandes projetos em Terras Indígenas e faz grandes investimentos, quando nós, indígenas, reivindicamos os nossos direitos para melhoria da educação, saúde, segurança e etc. O Governo diz que não há recursos para garantir a nossa qualidade de vida, mas com essas construções quer nos destruir e acabar conosco e com a floresta. E pensa, assim, em acabar com a população indígena no Brasil. Será que é dessa maneira que o Governo pensa em progresso, em desenvolvimento? Acreditamos que isso não é desenvolvimento, nem progresso.
E se perdermos nossas terras, nossas culturas, o Governo vai garantir resolver os problemas do mundo? Vai acabar com as desigualdades sociais? E o desemprego, as doenças e a miséria? O Governo vai garantir dar salário a todas as pessoas desempregadas e, assim, acabar com a pobreza?
O que o mundo inteiro pensa da resistência dos povos indígenas no Brasil e no mundo? Somos povos que preservam a natureza; que vivem de acordo com suas tradições, deixadas como herança dos antepassados; que mantêm em perfeito equilíbrio o funcionamento do sistema planetário.
É triste lembrar de tantas violações aos direitos indígenas. As nossas lágrimas chegam a inundar algumas cidades, em algumas regiões, de tanto chorarmos. E, em outras regiões, aparecem secas, é porque nossos olhos não contêm mais lágrimas. É assim que são anunciadas as notícias na mídia, como notícias de catástrofes e são interpretadas como mudanças climáticas no planeta.
O que os países mais ricos do mundo pensam de nós? Como nos veem? Pensam em nos socorrer? Ou deixam que isso aconteça, que ninguém se mobilize e aconteça a extinção da floresta e dos povos indígenas?
Não estamos preocupados apenas por sermos Munduruku, essa mensagem é para todas as nações existentes no mundo.
A Amazônia tem floresta em pbemos que, sendo assim, ela nos dá vida, porque ela também é responsável pela vida no planeta. Nós, Munduruku, o que somos realmente? Somos assim tão insignificantes? Os governantes não se preocupam com o bem estar social dos indígenas?
Ainda pensam em nós como caçadores de cabeça, como viveram nossos antepassados. Não somos bárbaros, mas isso é a demonstração de nossa bravura. Mostra que conseguimos troféus com lutas, lutas que temos não por acaso. Isso mostra a nossa verdadeira identidade, que somos verdadeiros guerreiros, os guardiões da floresta.
Cadê a admiração da sociedade envolvente? Nos vê apenas como mercadorias para fazer negócios? Querem apenas nos explorar? Querem nos usar como fontes de pesquisas científicas, para extraírem os conhecimentos que temos guardados há milhares de anos? Não vemos assim nenhuma valorização da nossa cultura. Somos esquecidos, mas nós lembramos das outras nações”.

Mensagem do educador Jairo Saw Munduruku, do clã Saw (saúva da noite), clã vermelho. Nome em Munduruku: Saw Exebu – “aquele que está sempre junto”.
***
“Eu, indígena do Povo Munduruku, venho dizer ao Governo que acho que já está na hora do Governo brasileiro respeitar a vontade e os direitos dos Povos Indígenas. Há mais de 500 anos já estávamos nesta terra, cansamos de dizer que este é o nosso território. O Governo Federal criou uma Constituição para defender e amparar os direitos indígenas, mas mesmo assim vem atropelando e desrespeitando a nossa vontade. Por isso quero dizer que, no Brasil, não existe lei e nem justiça, porque a Amazônia está sendo devastada, as terras indígenas sendo invadidas, lideranças sendo perseguidas, caciques sendo assassinados defendendo seus direitos.

Além do sofrimento que já passamos com tudo o que vem acontecendo, a AGU ainda criou uma Portaria 303, que consideramos um assassino para nossos direitos. O Governo cria essa lei porque não tem coração, não é ser humano, não vê natureza bonita, não sente amor… Governo só sonha com dinheiro; nós sonhamos com dias melhores, em harmonia com a natureza e consumindo a natureza com sustentabilidade, viver com saúde, ter uma educação diferenciada, de acordo com nossos direitos.
Não mentimos! Por isso, Governo Federal ou AGU, venham conhecer nossa realidade, ver que a Amazônia está se acabando e respeitar e ouvir nosso clamor”
Sandro Waro Munduruku – Aldeia Teles Pires/PA – 11/12/12
Veja no link do CIMI algumas fotos que atestam a violencia: 
Fonte: http://www.padrenello.com/cartas-dos-estudantes-munduruku-protesto-contra-a-violencia/

Comentários

  1. gostaraia de ter maiores informaçõe ssobre esse ataque policiais federais...para divulgar na nosso comunidade

    ResponderExcluir
  2. Daniel, estivemos conversando um pouquinho numa vez que o prente esteve aqui em Natal... temos aqui forte mobilizaçao dos párentes potiguares e tapuias...

    ResponderExcluir
  3. gostarai q olhasse che blog, peina:
    gefelipecamarao.blogspot.com

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...