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Cenas da novela “eu só quero outro rabo no jumento!”




Estamos vivendo, em Lorena, uma verdadeira novela. Impossível ficar indiferente a uma novela tão cheia de surpresas e capítulos.
Uma novela que poderia se chamar “eu não quero pagamento Nascimento, só quero outro rabo no jumento”, parodiando uma antiga canção popular cuja letra falava sobre o roubo do rabo do jumento por um tal Nascimento. O dono do referido animal cobrava providências para o problema lembrando que não poderia aceitar um pagamento em troca da ausência daquela parte anatômica de amado jumento. Dinheiro não, Nascimento. Eu quero outro rabo!
Os personagens da novela seriam o povo, o jumento; Nascimento, a câmara municipal e seu presidente; os prefeitos, o rabo. O dono do jumento, o judiciário. Não necessariamente nesta ordem.
Cena um
Durante longo período o jumento está caminhando pelas ruas malcuidadas, o sistema de saúde doente, o ambiente maltratado quando Nascimento aparece  e promove uma revolução.
- O jumento não pode mais ficar com este rabo, pois ele está sujo. Teremos que cortá-lo para nosso próprio bem [quer dizer, o bem da cidade].
O jumento fica impassível enquanto cortam seu rabo. O dono do jumento finge que nada vê.
Cena dois
No lugar de um rabo – e para contentar o jumento – Nascimento coloca outro. Diz:
- Com este rabo o jumento ficou mais bonito. Agora as coisas vão melhorar e muito.
O jumento faz festa, solta fogos de alegria,  afinal se sentia feia, descuidada, suja, malvista pelos jumentos da região e agora tudo seria diferente. Passados alguns dias, no entanto, sente saudade de seu antigo rabo que mesmo arrancado continua a agir nos bastidores reclamando ao dono do jumento, seu lugar. Finalmente o dono se sente importunado e entra em cena.
Cena três
O dono do jumento percebe que algo está errado em seu animal. O Primeiro rabo tem legítimo poder de permanecer no lugar da traseira do bicho. Diz em alta voz:
- Nascimento, este rabo que você colocou no jumento não é legítimo. Você tem que devolver o rabo que cortou. O lugar dele é na traseira do jumento [que até esta hora não tinha nem notado a diferença].
Nascimento retruca:
- O primeiro rabo foi tirado após longa deliberação, estudos jurídicos. Ele não faz jus ao lugar na traseira do jumento. Nós pagamos pra ver.
O dono, no entanto, não aceitou o argumento.
- Negativo. O primeiro rabo tem mais direito. Eu não quero pagamento, Nascimento, eu quero é outro rabo no jumento.
E assim o primeiro rabo foi devolvido ao seu lugar. Dizem que quando assumiu, num final de tarde de uma sexta feira, o feliz primeiro rabo foi bater ponto em seu posto médico. Sentia que agora fora desvitimizado e poderia, finalmente, prestar um bom serviço ao jumento. Ele era um rabo feliz que iria viver o resto de seu mandato balançando a fim de espantar as moscas do lindo traseiro de seu jumento.
O que ele não sabia é que o segundo rabo – ou vice rabo, se preferir – estava trabalhando para não deixar que o rabo titular assumisse. Chamou Nascimento – que a esta altura já queria que o primeiro rabo ficasse pregado no traseiro do bicho – e disse que ele tinha feito tudo errado...e foi se queixar com o dono que ficou mais perdido que cego em tiroteio e já não sabia qual papel assinar.
Cena quatro – final
O dono do jumento procura Nascimento e diz que ele deve decidir, pois cabe a ele constitucionalmente contornar a situação. Qual dos rabos, afinal, deve enfeitar o traseiro do jumento? Se não decidir o dono deverá resolver à revelia.
Nascimento fica em polvorosa. Está convencido, agora, que o melhor seria deixar o jumento sem rabo e, talvez, colocar um rabo tampão que, em ultimo caso, será o próprio Nascimento.
- Ui – diz o jumento que continua sem sair do lugar amargando sarnas [crack], pulgas [violência], feridas [ruas sujas e meio ambiente sem cuidado], verminose [sistema público de saúde], entre outras coisas.
O jumento está atônito. Pensa em mudar tudo mas, no fundo, sente falta de um rabo que comande sua cabeça.

Comentários

  1. Penso que é necessário trocar o couro do jumento com rabo e tudo. Quem sabe colocar um couro de zebra destas que não se doma e não se põe no cabresto.Já estamos por demais indignados dos desmandos do poder público e neste caso seria melhor dizer do abuso do poder ao público.
    Jumentos ou melhor zebras unidas jamais serão vencidas. Talvez tenha chegado o momento de se aplicar certas "teses anarquistas" onde nínguém precise de rabo.

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