“O DIA DO ÍNDIO É UMA FARSA CRIADA COM BOA INTENÇÃO”


Autor de mais de 40 livros infantojuvenis adotados em escolas de todo o país, Daniel Munduruku fala nesta entrevista sobre preconceitos à cultura indígena e sobre a educação para a diversidade.
Há anos vivendo entre cidades e aldeias, Daniel Munduruku ajuda índios e não índios a se conhecerem melhor. Esta definição, publicada na contracapa de O segredo da chuva (Editora Ática, 2003), dá o tom da produção literária do autor. Formado em Filosofia, História e Psicologia, além de doutor em Educação pela USP, ao longo de sua trajetória Munduruku tem conjugado tradição e contemporaneidade, sempre defendendo “a educação que dê sentido ao nosso estar no mundo”.
Batizado com sobrenome de branco, Monteiro Costa, Daniel nasceu em 1964 em Belém (PA). Cresceu vivenciando o preconceito que os indígenas sofrem na sociedade brasileira: se quando criança a figura do nativo selvagem assombrava a visão dos índios apresentada por seus professores, quando adulto percebeu-se encarado como “índio que deu certo” – percepção que é uma afronta, como ele gosta de salientar, por reforçar estigmas e “destacar quem se sobressai numa certa atividade e desmerecer, e muito, todos aqueles que também lutam, se esforçam e contribuem para o desenvolvimento da sociedade”. A seguir, o nosso bate-papo com Munduruku:
Como avalia a visão do indígena apresentada nas escolas brasileiras? Ainda há muitos estereótipos?
Todos os estereótipos são repetidos à exaustão. A escola está parada no tempo, muito embora sua função seja trazer novos elementos para que os jovens, sempre ávidos por renovação, possam pensar meios de fugir aos pré-conceitos que carregam consigo. O caminho ainda é longo, enquanto os indígenas continuam sendo pouco compreendidos e aceitos.
As datas comemorativas são uma forma de retomar grupos ou fatos históricos e de forçar a reflexão sobre eles. O que pensa a respeito do Dia do Índio?
O Dia do Índio é uma farsa criada com boa intenção. É preciso repensar o conceito do “índio”, de acordo com o novo momento que estamos vivendo. Há um entendimento ultrapassado, que precisa ser atualizado, sobretudo para o bem do povo brasileiro.
Em suas viagens Brasil afora, como observa a educação para a diversidade?
Minha experiência tem me mostrado disparidades entre educadores, de Norte a Sul do Brasil. Tem me mostrado como a formação deles é falha quando tenta oferecer uma educação para a cidadania. Vejo que as crianças e os jovens estão ansiosos por conhecimento que lhes mostrem um caminho novo, diferente, ousado, mas infelizmente não o encontram nas escolas ou nos professores, por vários motivos – o principal deles é o fato de os educadores não se sentirem motivados para exercerem a profissão, dado o descaso com que são tratados pelo poder público.
Como a literatura indígena, da qual você é um dos principais representantes, tem combatido estas falhas de formação?
O grande mérito da literatura indígena está no fato de trazer novas leituras da sociedade brasileira. Ao dizer que os povos indígenas são defensores naturais da natureza, ela se contrapõe à ideia de desenvolvimento trazido puramente pela lógica do agronegócio, por exemplo, ou pela construção de grandes empreendimentos como hidrelétricas. A literatura indígena questiona conceitos como esses, dados ou impostos.
*
Trecho de O segredo da chuva, de Daniel Munduruku, com ilustrações de Marilda Castanha:
“– Quem está aí? É amigo ou inimigo?
Silêncio. Apenas o eco da voz de Lua. Parecia que toda a natureza estava acompanhando o medo dos dois. Lua repetiu mais duas vezes o seu apelo, mas não obteve nenhuma resposta. Encolheu-se ainda mais na moita, fazendo gestos para Tawé subir numa árvore e tentar ver algum movimento estranho. O amigo obedeceu. Arrastou-se pelo chão até uma árvore de muitos galhos e foi subindo sorrateiramente até a copa. Mas qual não foi o seu susto quando se deparou com uma enorme onça! Ela o olhava fixamente como que dizendo que faria sua primeira refeição do dia. Tawé apavourou-se. Não viu mais nada, e deixou-se cair num galho mais abaixo.”
___
Para saber mais
Daniel Munduruku possui um blog, no qual publica notícias dos povos indígenas, artigos, opiniões, resenhas de livros que lê e que recomenda: www.danielmunduruku.blogspot.com.

http://blog.aticascipione.com.br/diversidade/o-dia-do-indio-e-uma-farsa-criada-com-boa-intencao-daniel-munduruku

Comentários

  1. Texto para ser refletido,principalmente nas escolas. Mas cabe em outras rodas de conversa. Muito rico!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

A FORÇA DE UM APELIDO

SAWÉ - O GRITO ANCESTRAL (LANÇAMENTO)