Pular para o conteúdo principal

O NEARIN E A II FLIMT 2011


           A cidade de Cuibá-MT foi sede da 2ª Feira do Livro Indígena do Estado do Mato Grosso - FLIMT, realizada pelo governo do Estado do Mato Grosso, através da Secretaria Estadual de Cultura, secretaria de educação em parceria com o Núcleo de Escritores e Artistas Indígena (NEARIN) e o Instituto U’ka, entre outras instituições. O evento aconteceu nos dias 23 a 26 de novembro de 2011, tendo como tema central “Literatura Indígena e as novas tecnologias da Momória”.
                             
A Feira foi um espetáculo de interculturalidade, em que indígenas de povos diversos falaram sobre suas experiências, suas formas de organização e estratégias de resistência e de valorização cultural, entre elas, a produção literária. As mesas redondas compostas por escritores indígenas e não-indígenas contaram com a participação e intervenção direta do público presente, estabelecendo uma relação dialógica de ensino-aprendizado pautado pela cultura da paz e do respeito à diversidade de povos.

Uma das presenças marcantes na FLIMT 2011 foi a do cacique Raoni, que sempre cercado por admiradores e pela imprensa, visitou o stand do NEARIN e foi presenteado com vários livros autografados, produzidos por escritores indígenas. Na apresentação das “Sábias Palavras” no auditório do Palácio da Instrução, o cacique abordou sobre a luta histórica dos povos indígenas, denunciou os grandes projetos em terras indígenas e alertou sobre os riscos e impactos sócio-ambientais dos grandes projetos nas comunidades indígenas e nas demais localidades, assim como os impactos nos ecossistemas naturais. Raoni deu destaque ao desastre anunciado por ocasião da propalada construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no norte do país. O Cacique ressaltou ainda a importância do maior engajamento dos escritores, estudantes e intelectuais indígenas contra todo tipo de ação que ameaça os povos indígenas e a reprodução da vida no planeta.

No momento seguinte, Raoni realizou uma conversa fechada com os escritores indígenas presentes na Feira, deixando uma mensagem de perseverança e de estímulo pela continuidade da defesa dos direitos dos povos indígenas e pela defesa da mãe da terra. O Cacique acolheu os indígenas presentes anunciando que “estarei aqui durante toda a Feira acompanhado vocês nas atividades, pois considero que vocês todos são meus filhos e minhas filhas”.

O encontro dos escritores indígenas com o cacique Raoni possibilitou a consolidação da parceria do NEARIN com as lutas do visionário Cacique, bem como deixou esboçadas algumas ações conjuntas para o futuro próximo, como a produção, publicação e difusão de documentos voltados à sociedade brasileira e aos governantes pela defesa dos direitos dos povos indígenas no país.

A FLIMT oportunizou durante quatro dias o debate sobre temas diversos, entre os quais a importância da memória e da oralidade indígena para a produção da literatura indígena, as políticas públicas voltadas aos povos indígenas, o movimento indígena brasileiro, a organização das mulheres indígenas, os povos indígenas e a educação nacional e a necessidade dos indígenas se apossarem das novas tecnologias como instrumento de resistência, afirmação e valorização da cultura desses povos.

Além dos debates, ocorreram lançamentos de livros e exposição de obras literárias de escritores indígenas, exibição de documentários, exposição de artesanatos indígenas, exposição de fotografias do cotidiano indígena, oficinas de pintura corporal, contação de histórias indígenas e saraus culturais.

A realização da Feira proporcionou também o encontro entre os escritores indígenas e a troca de experiências entre eles, bem como a interação dos escritores indígenas com o público não-indígena, estimulando a interculturalidade respeitosa.

A FLIMT foi encerrada com apresentações musicais, recitação de poesias e a leitura da Carta das Mulheres Indígenas à comunidade nacional e à presidenta Dilma Russef.

A avaliação do NEARIN é que a FLIMT 2011 foi uma conquista e uma grande oportunidade de fortalecimento do projeto nacional de difusão da Literatura Indígena, no sentido da valorização dos saberes e das histórias indígenas. A Feira possibilitou também a abertura de novos diálogos do público com os escritores indígenas e novas reflexões desses escritores sobre o seu ofício e seu compromisso com as raízes ancestrais.

Por Edson Kaiapó – Doutorando em Educação pela PUC SP.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...