Pular para o conteúdo principal

Índios da capital paulista acreditam que novas terras são solução temporária

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil

Reprodução

São Paulo - As terras que serão concedidas às três comunidades guarani mbyá da capital paulista pela Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) como compensação dos impactos da construção do Rodoanel Mário Covas são apenas uma solução temporária para os problemas enfrentados pelas comunidades. A avaliação é das lideranças indígenas das aldeias.
A Dersa concederá cerca de 300 hectares em terras, no valor aproximado de R$ 6 milhões divididos em duas áreas. Uma das propriedades ficará com a comunidade do Jaraguá (300 habitantes), na zona norte de São Paulo, e outra beneficiará as aldeias Krukutu (300 habitantes) e da Barragem (900 habitantes), situadas em Parelheiros, na zona sul da capital.
Para a liderança indígena da aldeia Krukutu, Marcos Tupã, existe uma “pressão muito forte” sobre a comunidade devido à tendência de crescimento da região. Ele acredita que transferir parte da população para o novo território pode não ser uma solução definitiva para os problemas da falta de espaço e da ocupação em volta da aldeia.
“Eu diria que daqui a mais alguns anos estaremos passando pelo mesmo processo[falta de espaço e pressão externa]”. As terras indígenas da Barragem e Krukutu têm 26 hectares cada uma. Tupã acredita que seria necessário uma quantidade de terras ainda maior do que a oferecida pela Dersa para que as comunidades tivessem a área necessária para manter o modo de vida tradicional.
Esse novo espaço poderá garantir a sobrevivência dos guarani, segundo o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Bauru, Amaury Vieira. “Diante da situação que eles têm hoje em São Paulo, as três aldeias, uma área de terra muito pequena e a dificuldade de ampliar isso, qualquer coisa que aumente esse território indígena é importante e necessário”.
Um dos líderes do Jaraguá, Pedro Luís Mecena, acredita que a área é boa, mas teme pelo futuro da comunidade. “Hoje é grande, mas daqui a dez anos pode ser pequena”, avaliou. Ele defende que haja um planejamento para longo prazo com o objetivo de evitar nova compressão da aldeia pela expansão urbana.
O antropólogo Daniel Pierri, que trabalha desde 2005 com os guarani paulistanos, explicou que toda a etnia tem uma ligação forte entre si, por isso é importante resolver o problema de todos os índios. “A longo prazo, a única solução para um vida decente, digna para as comunidades guarani é que todas as terras que precisam ser identificadas e demarcadas realmente sejam”, afirmou.
Quando foi demarcada, em 1987, havia apenas uma família na terra indígena do Jaraguá, hoje são aproximadamente 80 ocupando os mesmos 1,7 hectare. Segundo Mecena, após a construção do Rodoanel e da Rodovia dos Bandeirantes houve um aumento da ocupação em volta da comunidade, que acabou cercada por residências e empresas. O líder indígena afirma que esse adensamento atrapalha o dia a dia dos índios e interfere na preservação dos costumes tradicionais.
Marcos Tupã teme que um processo semelhante ocorra com as comunidades de Parelheiros devido à construção do trecho sul do Rodoanel. A obra deverá passar a cerca de oito quilômetros da aldeia, na zona sul de São Paulo. “A tendência é crescer a população no entorno [da aldeia], [haver] ocupação de terras e especulação imobiliária”, afirmou
As comunidades do trecho sul ficam em uma região menos povoada que a do Jaraguá, a cerca de 30 quilômetros ao sul do Autódromo Municipal de Interlagos. No entanto, de acordo com o gerente de Gestão Ambiental da Dersa, já existe uma ocupação “consolidada” de 70 mil pessoas entre as aldeias Krukutu e Barragem e o local onde será construído o Rodoanel.
Com base nisso, ele nega que haverá impactos diretos do empreendimento. “Os nossos estudos não apontaram nenhum tipo de impacto sobre as aldeias da zona sul [por conta do Rodoanel]”, garantiu.
Para a socióloga Maria Bernadette Franceschini, que trabalhou no estudo etnoambiental para implementação do empreendimento, os impactos sobre as comunidades podem ser pequenos se o projeto original de não haver acessos ao Rodoanel pela região de Paralheiros for mantido.
Ela destaca, no entanto, a existências de pressões econômicas para a abertura de acessos à rodovia na região, o que poderia atingir as aldeias. "É difícil acreditar [que o projeto original seja mantido]. A tendência é agravar os problemas que já existem e criar outros”, avaliou.
Apesar disso, Franceschini não acredita que a comunidades do Krukutu e da Barragem sejam “engolidas” pela metrópole. Para ela, mesmo que eles sejam envolvidos pela cidade, ali dentro os guarani continuam falando a sua língua e praticando a própria religião.

Edição: Graça Adjuto

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...