Daniel Munduruku, índio e escritor
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Postado no Blog da TV CULTURA
28/07/2009 | 18h00 | Mariana Del Grande
Daniel Munduruku é o maior escritor indígena do Brasil. Graduado em Filosofia e doutorando em Educação na Universidade de São Paulo, ele tem 34 livros publicados e seu nome ocupa as prateleiras das melhores livrarias do país.
Diferente da maioria dos índios, que ainda lutam para derrubar conceitos antiquados em relação as suas culturas e tentam conseguir espaço para mostrar as tradições, Daniel Munduruku vive da literatura indígena e conseguiu um feito inédito: seus livros são adotados em diversas escolas públicas e particulares de todo o país! Um passo gigante em direção ao futuro: nossas crianças já começam a conhecer o índio de verdade, ao invés daquele ser nu, limitado e inferior que, durante cinco séculos, povoou a imaginação da sociedade brasileira.
Leia abaixo alguns trechos da entrevista que Daniel Munduruku concedeu ao Blog do A’Uwe por e-mail.
28/07/2009 | 18h00 | Mariana Del Grande
Daniel Munduruku é o maior escritor indígena do Brasil. Graduado em Filosofia e doutorando em Educação na Universidade de São Paulo, ele tem 34 livros publicados e seu nome ocupa as prateleiras das melhores livrarias do país.
Diferente da maioria dos índios, que ainda lutam para derrubar conceitos antiquados em relação as suas culturas e tentam conseguir espaço para mostrar as tradições, Daniel Munduruku vive da literatura indígena e conseguiu um feito inédito: seus livros são adotados em diversas escolas públicas e particulares de todo o país! Um passo gigante em direção ao futuro: nossas crianças já começam a conhecer o índio de verdade, ao invés daquele ser nu, limitado e inferior que, durante cinco séculos, povoou a imaginação da sociedade brasileira.
Leia abaixo alguns trechos da entrevista que Daniel Munduruku concedeu ao Blog do A’Uwe por e-mail.
Visite o site do escritor: www.danielmunduruku.com.br
Em breve a Loja Virtual Literatura Indígena

A’Uwe - Seu nome completo?
Daniel Munduruku - Daniel Monteiro Costa, mas adotei o nome artístico Daniel Munduruku, que é o nome do meu povo.
A’Uwe - Onde você nasceu?
DM - Nasci no Estado do Pará, na aldeia Maracanã, município de Maracanã. Hoje eu vivo na cidade de Lorena, no Estado de São Paulo.
A’Uwe - Você ainda visita sua aldeia e seus parentes? Você sente saudades da sua vida na aldeia?
DM - Minha aldeia foi desfeita ao longo do tempo. É comum entre os Munduruku* trocar de lugar vez enquanto. Mas continuo visitando os parentes em outros municípios. Não é comum os indígenas sentirem saudades das coisas porque aprendemos a usufruir cada fase da vida, ou seja, vivemos cada momento com muita intensidade e isso nos permite sentir a força da nossa tradição e retira do nosso corpo o sentimento da ausência. Como quando se é jovem, que se vive a juventude de modo que depois não sente falta de sua infância. Isso vale para cada fase da vida.
A’Uwe - Por que você escolheu a literatura?
DM - Não foi bem uma escolha, mas fui sendo levado ao mundo das letras pelas situações que vivi, pela formação universitária que tive, pela facilidade em observar e escrever o que observava. Não seria redundante dizer que a literatura me escolheu! Mas nunca fui de ler. Gostava de observar a natureza, achava que ela era a própria escrita e que eu deveria desvendar esta escrita para eu poder viver bem. Nunca imaginei que os livros também pudessem fazer a gente viajar e muito menos que era possível colocar nossos sonhos num papel. Quando comecei a ter contato com os livros – por volta dos 12 anos – percebi tudo isso e passei a querer contar as histórias que moravam em mim. O primeiro texto que escrevi e submeti ao público foi por volta dos 15 anos de idade. Foi um texto religioso, que falava da Páscoa. Eu o imprimi num mimeógrafo a tinta – uma revolução para a época! Dei para um amigo ler e ele achou legal, então tomei coragem e distribui para todo mundo.
A’Uwe – Como foi a reação do seu povo e seus parentes quando você começou a escrever livros em português?
DM - Eles gostaram! Meus parentes mais próximos foram testemunhas das dificuldades que passei em minha infância, eles acompanharam minha luta para conseguir estudar e me formar. Quem tem este tipo de resistência são os não-indígenas, que acham que uma pessoa deixa de ser indígena quando perde a língua.
A’Uwe - Você gostaria de escrever em língua munduruku?
DM – Eu sempre tive vergonha de falar em munduruku. Eu vivia na cidade e isso me colocava em situações um pouco constrangedoras, eu estudava em Belém (do Pará) onde havia uma resistência muito grande aos indígenas, e isso fez com que eu calasse a minha voz e aprendesse o português da melhor maneira possível. Às vezes eu sonhava em munduruku, mas não conseguia falar, pois achava que meus “amigos” iam rir de mim porque isso já tinha acontecido antes Hoje eu me arrependo de ter esquecido quase totalmente a língua e ter de falar somente em português. Mas houve uma história por trás desta negação e hoje eu trabalho para que crianças e jovens indígenas não passem por esta mesma situação.
A’Uwe - Algum livro escrito em munduruku já foi publicado?
DM - Tenho apenas um. Mas ele foi traduzido com a ajuda de um primo meu, que é falante e conhecedor do munduruku.
A’Uwe – Hoje você vive da literatura?
DM - Posso dizer que vivo de literatura, mas não apenas dos livros. Os livros abriram muitas portas para mim: eu ministro palestras, cursos, oficinas pelo Brasil todo. E também participo do movimento indígena. Durante 15 anos eu dei aula em escolas das redes pública e particular de ensino. Mas chegou um momento em que tive que sair de sala de aula para poder organizar minha vida de outra maneira, pois a demanda foi ficando bastante grande.
A’Uwe - Você fica satisfeito em saber que seus livros são usados no currículo de várias escolas, indígenas e não-indígenas?
DM - Sem falsa modéstia, eu sei que meus livros são referências em muitos lugares. Sei que são muito adotados por escolas particulares de grande porte; os governos – municipal, estadual e federal – adquirem meus livros para seus programas de leitura; há escolas indígenas em que os estudantes lêem meus livros e há universidades que discutem meus textos e até vestibulares que os utilizam como tema de redação. Chique, não?
A’Uwe - Tendo em vista que você é o escritor indígena com a projeção mais forte na literatura brasileira, talvez o único com o devido reconhecimento, por que você acha que outros escritores índios não conseguem muito espaço? Os brasileiros ainda têm conceitos antiquados em relação os índios no Brasil?
DM - Na verdade há muitos escritores indígenas que estão conseguindo uma grande projeção nacional. Eu fui o pioneiro, é verdade! Mas poderia citar pelo menos meia dúzia de bons autores indígenas que estão produzindo textos belíssimos e que já foram, inclusive, premiados. Há lugar para todos, mas é claro que precisam pensar na qualidade dos textos e mostrar como nós, os indígenas, podemos contribuir com a sociedade brasileira. Já conseguimos uma coisa rara: o Brasil está tendo que ler nossas obras! Já somos vistos e ouvidos por conta da literatura e não precisamos levantar bandeiras políticas para isso. A literatura é nossa arma para nos fazermos ouvir!
Em quase todos os eventos literários que existem nós somos lembrados. Só para citar alguns: as Bienais do Livro em São Paulo, no Rio e em Minas Gerais; o Salão FNLIJ (de livro para crianças e jovens); a Feira Literária Internacional de Paraty, entre outros.
A'Uwe - Você acha, então, que a literatura pode colaborar? Como?
DM - A literatura tem uma função social importante. Ela pode ajudar as pessoas a conhecerem melhor as outras, a respeitar os processos sociais e políticos de outros povos, a melhorar as relações entre os diferentes. Ela pode fazer isso sem precisar levantar bandeiras ou ficar gritando palavras de ordem, mas no silêncio do quarto do leitor, na mesa solitária de uma biblioteca, na leitura displicente que acontece num ponto de ônibus ou até num banheiro público. Não há limites para a ação da literatura! Ela pode ser fundamental para a formação da consciência crítica das pessoas sem precisar ser partidária. E isso é bom!
A’Uwe - Gostaria de dizer alguma coisa a mais, dar algum recado? O espaço do Blog está aberto para você, Daniel...
DM - Gostaria de dizer que gosto de ser quem sou, gosto de poder contribuir com a formação do pensamento das pessoas, gosto de alimentar sonhos através dos textos que escrevo. Sei que a literatura é minha forma de tecer o artesanato que deixei de fazer quando menino... Ela é uma teia que vou formando com as pessoas que olham para a minha gente com dignidade.
* o nome do povo Munduruku também pode ser escrito Mundurucu. Segundo levantamento da FUNASA de 2002, a população Munduruku no Brasil é de 10.065 pessoas. Acesse o site do Instituto Sócio Ambiental (ISA)
Visite o site de Daniel Munduruku e conheça o trabalho do escritor!
www.danielmunduruku.com.br
Em breve a Loja Virtual Literatura Indígena

A’Uwe - Seu nome completo?
Daniel Munduruku - Daniel Monteiro Costa, mas adotei o nome artístico Daniel Munduruku, que é o nome do meu povo.
A’Uwe - Onde você nasceu?
DM - Nasci no Estado do Pará, na aldeia Maracanã, município de Maracanã. Hoje eu vivo na cidade de Lorena, no Estado de São Paulo.
A’Uwe - Você ainda visita sua aldeia e seus parentes? Você sente saudades da sua vida na aldeia?
DM - Minha aldeia foi desfeita ao longo do tempo. É comum entre os Munduruku* trocar de lugar vez enquanto. Mas continuo visitando os parentes em outros municípios. Não é comum os indígenas sentirem saudades das coisas porque aprendemos a usufruir cada fase da vida, ou seja, vivemos cada momento com muita intensidade e isso nos permite sentir a força da nossa tradição e retira do nosso corpo o sentimento da ausência. Como quando se é jovem, que se vive a juventude de modo que depois não sente falta de sua infância. Isso vale para cada fase da vida.
A’Uwe - Por que você escolheu a literatura?
DM - Não foi bem uma escolha, mas fui sendo levado ao mundo das letras pelas situações que vivi, pela formação universitária que tive, pela facilidade em observar e escrever o que observava. Não seria redundante dizer que a literatura me escolheu! Mas nunca fui de ler. Gostava de observar a natureza, achava que ela era a própria escrita e que eu deveria desvendar esta escrita para eu poder viver bem. Nunca imaginei que os livros também pudessem fazer a gente viajar e muito menos que era possível colocar nossos sonhos num papel. Quando comecei a ter contato com os livros – por volta dos 12 anos – percebi tudo isso e passei a querer contar as histórias que moravam em mim. O primeiro texto que escrevi e submeti ao público foi por volta dos 15 anos de idade. Foi um texto religioso, que falava da Páscoa. Eu o imprimi num mimeógrafo a tinta – uma revolução para a época! Dei para um amigo ler e ele achou legal, então tomei coragem e distribui para todo mundo.
A’Uwe – Como foi a reação do seu povo e seus parentes quando você começou a escrever livros em português?
DM - Eles gostaram! Meus parentes mais próximos foram testemunhas das dificuldades que passei em minha infância, eles acompanharam minha luta para conseguir estudar e me formar. Quem tem este tipo de resistência são os não-indígenas, que acham que uma pessoa deixa de ser indígena quando perde a língua.
A’Uwe - Você gostaria de escrever em língua munduruku?
DM – Eu sempre tive vergonha de falar em munduruku. Eu vivia na cidade e isso me colocava em situações um pouco constrangedoras, eu estudava em Belém (do Pará) onde havia uma resistência muito grande aos indígenas, e isso fez com que eu calasse a minha voz e aprendesse o português da melhor maneira possível. Às vezes eu sonhava em munduruku, mas não conseguia falar, pois achava que meus “amigos” iam rir de mim porque isso já tinha acontecido antes Hoje eu me arrependo de ter esquecido quase totalmente a língua e ter de falar somente em português. Mas houve uma história por trás desta negação e hoje eu trabalho para que crianças e jovens indígenas não passem por esta mesma situação.
A’Uwe - Algum livro escrito em munduruku já foi publicado?
DM - Tenho apenas um. Mas ele foi traduzido com a ajuda de um primo meu, que é falante e conhecedor do munduruku.
A’Uwe – Hoje você vive da literatura?
DM - Posso dizer que vivo de literatura, mas não apenas dos livros. Os livros abriram muitas portas para mim: eu ministro palestras, cursos, oficinas pelo Brasil todo. E também participo do movimento indígena. Durante 15 anos eu dei aula em escolas das redes pública e particular de ensino. Mas chegou um momento em que tive que sair de sala de aula para poder organizar minha vida de outra maneira, pois a demanda foi ficando bastante grande.
A’Uwe - Você fica satisfeito em saber que seus livros são usados no currículo de várias escolas, indígenas e não-indígenas?
DM - Sem falsa modéstia, eu sei que meus livros são referências em muitos lugares. Sei que são muito adotados por escolas particulares de grande porte; os governos – municipal, estadual e federal – adquirem meus livros para seus programas de leitura; há escolas indígenas em que os estudantes lêem meus livros e há universidades que discutem meus textos e até vestibulares que os utilizam como tema de redação. Chique, não?
A’Uwe - Tendo em vista que você é o escritor indígena com a projeção mais forte na literatura brasileira, talvez o único com o devido reconhecimento, por que você acha que outros escritores índios não conseguem muito espaço? Os brasileiros ainda têm conceitos antiquados em relação os índios no Brasil?
DM - Na verdade há muitos escritores indígenas que estão conseguindo uma grande projeção nacional. Eu fui o pioneiro, é verdade! Mas poderia citar pelo menos meia dúzia de bons autores indígenas que estão produzindo textos belíssimos e que já foram, inclusive, premiados. Há lugar para todos, mas é claro que precisam pensar na qualidade dos textos e mostrar como nós, os indígenas, podemos contribuir com a sociedade brasileira. Já conseguimos uma coisa rara: o Brasil está tendo que ler nossas obras! Já somos vistos e ouvidos por conta da literatura e não precisamos levantar bandeiras políticas para isso. A literatura é nossa arma para nos fazermos ouvir!
Em quase todos os eventos literários que existem nós somos lembrados. Só para citar alguns: as Bienais do Livro em São Paulo, no Rio e em Minas Gerais; o Salão FNLIJ (de livro para crianças e jovens); a Feira Literária Internacional de Paraty, entre outros.
A'Uwe - Você acha, então, que a literatura pode colaborar? Como?
DM - A literatura tem uma função social importante. Ela pode ajudar as pessoas a conhecerem melhor as outras, a respeitar os processos sociais e políticos de outros povos, a melhorar as relações entre os diferentes. Ela pode fazer isso sem precisar levantar bandeiras ou ficar gritando palavras de ordem, mas no silêncio do quarto do leitor, na mesa solitária de uma biblioteca, na leitura displicente que acontece num ponto de ônibus ou até num banheiro público. Não há limites para a ação da literatura! Ela pode ser fundamental para a formação da consciência crítica das pessoas sem precisar ser partidária. E isso é bom!
A’Uwe - Gostaria de dizer alguma coisa a mais, dar algum recado? O espaço do Blog está aberto para você, Daniel...
DM - Gostaria de dizer que gosto de ser quem sou, gosto de poder contribuir com a formação do pensamento das pessoas, gosto de alimentar sonhos através dos textos que escrevo. Sei que a literatura é minha forma de tecer o artesanato que deixei de fazer quando menino... Ela é uma teia que vou formando com as pessoas que olham para a minha gente com dignidade.
* o nome do povo Munduruku também pode ser escrito Mundurucu. Segundo levantamento da FUNASA de 2002, a população Munduruku no Brasil é de 10.065 pessoas. Acesse o site do Instituto Sócio Ambiental (ISA)
Visite o site de Daniel Munduruku e conheça o trabalho do escritor!
www.danielmunduruku.com.br
Olá Daniel tenho lido alguns de seus livros. Atualmente moro em São Paulo, mas nasci em Itaituba, no Pará. Quero enviar os meus escritos para vc. Como faço? Qual o seu e-mail? Vou ficar muito feliz se vc responder, pois queria que vc escrevesse para o prefácio do livro que vou publicar. É o meu orimeiro livro. Eu tenho 26 anos.
ResponderExcluirAguardo notícias.
rudineiborges@usp.br
(11) 2892-6232
Abraço,
Rudinei
daniel munduruku ja li tres livros seus e adorei:
ResponderExcluirhistorias que eu li e gosto de contar
historias que eu ouvi e gosto de contar
historia que eu vivi e gosto de contar
seus livros sao otimos
Olá Daniel!
ResponderExcluirNunca li nada seu, mas fiquei com muita vontade de o fazer. Na próxima quinta-feira, dia 21-1-2010, vou ter a possibilidade de o conhecer na Jornada Luso-Brasileira de Literatura para Crianças e Jovens, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Olá Daniel, já havia lido alguns de seus livros e apreciei muito. Adorei participar do evento ocorrido no último sábado (17/04/10),onde pude cumprimentá-lo.Fiquei maravilhada com a presença de representantes de outros povos indígenas.Todos são muito simpáticos.Abraços da leitora.Glória.
ResponderExcluirEstimado Senhor Munduruku,
ResponderExcluirsou um estudante de Polonia, quero escrever a minha tese de licenciatura sobre os Mitos de Indios Xingu. Podia-me vc aconselhar alguma coisa? Agradeceria se me contactar.
janusz.barwik@wp.pl
Obrigado
Janusz