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ODES AOS NOSSOS TEMPOS


O texto abaixo escrevi para minha adorada esposa Tania Mara de Aquino Costa para dizer-lhe como é grande o que sinto por ela. É que este mês completamos 22 anos de casamento e 25 de convivência. Queria que ela soubesse que tem sido uma aventura interessante esta troca de afeto, encontros e desencontros que têm pautado nossa história. Espero que gostem e fortaleça seu espírito.

Ode aos nossos tempos
Há muito te encontrei nas curvas do tempo. Éramos jovens, sonhadores, apaixonados pela vida. Bêbados de canções, andávamos por aqui e por lá ávidos por ouvir mensagens que nos mostrassem caminhos e nos dessem esperanças.
Traçamos planos enquanto percorríamos os paralelepípedos e calçadas montados em uma pequena magrela ou nos deparávamos com a beleza de um chorão que caia escondendo nossas juras de um encontro bonito.
Às vezes éramos três trôpegos e avariados transeuntes que não conseguiam andar em linha reta. Culpa do vinho tinto saboreado na adega em noites frias. Era pura felicidade. Alegria solta, risos frenéticos e cambaleantes. Mãos dadas firmes. Sonhos firmes.  Carinho firme. Solidez que a juventude nos proporcionou junto com a certeza de passos largos e fecundos.
Algumas vezes fomos humanos; outras felizes. Fomos ausência. Outras, solidão. Quantas horas nos distanciamos para nos lembrarmos próximos! Quantas esquecemos por causa da dura lida diária! Quantas vezes te deixei aí para te reencontrar aqui, em mim, dentro, no profundo e descobrir que te precisava e entre idas e vindas sentir o reconforto das palavras doces que falavas!
Tem dias que tu és tão difícil! Tem dias que eu sou insuportável! Tem dias que não sei te querer e tem dias que não me queres. Tem dias que te amar é doloroso e tem dias que sei que não me amas.  Tem dias que não me encontras em ti e tem dias que eu não sou teu. Tem dias que eu mesmo não me gosto...e então olho em teus olhos e me encontro.
Faz tempo que é assim. Faz tempo que somos encontro, desencontro, alegrias, deslizes e canteiros. Faz tempo que somos Pessoa e algum que és Clarice. Faz tempo que acompanhas meus devaneios literários, minhas tolices poéticas, meus tropeços por caminhos tortuosos. Também faz tempo que te ouço falar de escola, de projetos pedagógicos, de notas finais. Que ouço os livros que lês porque eles não cabem em ti e me fazes ouvi-los durante as refeições.
Já foste tantas leituras que sinto que te leio. Te leio Jean, Flora, Teresa, Clarice, Francisco, Inácio, Tomás, Lygia. Já foste tanta música que te ouço Beethoven, Bach, Mozart, Chopin, teu preferido. Geraste universos que te vejo Gabriela, Lucas, Beatriz.
O tempo passou criando intervalos, hiatos, barreiras. Notas afinadas e dissonantes. Passou lembrando nossas fragilidades. Levando gente, deixando saudades. Criando rancor e felicidade.
Há tempos te encontrei nas curvas do tempo. Faz tempo isso. Tempo suficiente para não sermos os mesmos, pois que já sou tu e tu me és. Agora é hora de nos separarmos para que nossas individualidades se encontrem ali, na curva do tempo, e nos apaixonemos outra vez como tem acontecido nestes 22 anos de vida em comum.
Receba, meu Amor, meu Amor. Ele é maiúsculo como tu. Frágil como eu. É Teu.

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