Aluno da UFSCar é o primeiro índio bolsista de iniciação científica da Fapesp

Luciano Kezo cria livro didático para ensinar língua extinta a crianças de Mato Grosso

Juliana Deodoro, especial para o Estadão.edu
Luciano Ariobo Kezo, de 22 anos, é umas das poucas pessoas que falam umutina no mundo. Ele aprendeu a língua, considerada extinta pela Unesco, com um ancião da aldeia onde nasceu e cresceu, em Barra do Bugres, no interior de Mato Grosso. Luciano agora estuda Letras na Federal de São Carlos (UFSCar) e quer mudar a realidade de sua tribo: prepara um livro didático para ensinar umutina às crianças de Barra do Bugres. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) apostou na ideia e pela primeira vez financia um projeto realizado por um indígena.
Luciano Kezo, aluno de Letras na UFSCar - Arquivo pessoal
Arquivo pessoal
Luciano Kezo, aluno de Letras na UFSCar

O estudante trabalha no livro há 8 meses, orientado pela professora Maria Sílvia Martins, especialista em linguística aplicada. “O livro nasceu do interesse coletivo. Ele colabora para mim enquanto estudante e para o meu povo, que poderá ter acesso à língua”, diz Luciano.
Maria Sílvia conta que o problema das línguas indígenas aparece com frequência em suas aulas. “Os indígenas, de modo geral, estão em processo de revitalização da cultura e de recuperação de línguas que muitas vezes ficaram perdidas”, afirma. Desde 2008, a UFSCar abre um vestibular exclusivo para alunos indígenas. Oferece uma vaga em cada curso de graduação.
A publicação deve ficar pronta em abril. A ideia é que seja usada por crianças do 4.º ano do ensino fundamental. Tem exercícios bilíngues (umutina - português) e  histórias da aldeia escritas exclusivamente em umutina. Todas as ilustrações estão sendo feitas pelo próprio Luciano. “Uma preocupação nossa é fugir das imagens estereotipadas do indígena, tão presentes nos livros didáticos”, conta Maria Sílvia. “Meu maior desejo é que todos vejam o indígena da forma correta e real”, completa Luciano.
Na reserva em Barra do Bugres moram mais de 500 índios de diferentes etnias. O próprio Luciano, apesar de se identificar como umutina, é paresi por parte de pai. Há apenas uma escola indígena na região e o ensino das línguas locais depende da vontade e do esforço dos integrantes da própria aldeia.
Segundo Maria Sílvia, o objetivo é que outros indígenas sigam os passos de Luciano para fazer mais livros didáticos. “Revitalizar a língua contribui para o aumento da autoestima da população em geral, é uma ação afirmativa muito importante”, diz a professora. “E o Luciano ter recebido a bolsa da Fapesp demonstra o início de alguma coisa, é um exemplo para outros alunos.”
Luciano ainda não entrou em contato com nenhuma editora, mas quer procurar apoio no setor público e na iniciativa privada para conseguir publicar o livro. A vontade dele, no entanto, também é atingir crianças não indígenas, usando uma lei federal que prevê a inclusão de elementos da cultura indígena nos currículos de todas as escolas brasileiras. “É só início de um processo. Se as pessoas conhecerem um pouco da história do povo umutina, já estou satisfeito.”

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