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ANO NOVO, DE NOVO!

Daniel Munduruku
A virada do ano é sempre um ritual. Ao menos penso assim desde pequeno quando observava o alegria que reinava no coração das pessoas com quem convivia. Era uma alegria semelhante a dos meus pais quando tinha sucesso no roçado, ou quando via chegar os caçadores e pescadores com bons resultados, símbolo de fartura e reafirmação da crença de que os rituais são importantes para o sucesso de nossas ações cotidianas. Sem os rituais acabamos nos transformando em pessoas mesquinhas, vaidosas, excessivamente narcisistas.
O novo ano que chega é um portal que se abre à nossa frente. É absoluto mistério. O que iremos encontrar do outro lado – além das certezas que a fragilidade corpórea nos impõe – não sabemos. Especulamos apenas e por conta dessa nossa humana capacidade fazemos promessas, desejamos sucessos, aspiramos conquistas para nós e para nossos amigos; brindamos a vida vivida nos meses anteriores; choramos as perdas mas, sobretudo, olhamos para frente com os olhos da esperança aceitando o que a Vida pode nos oferecer sejam coisas boas – que sempre almejamos – sejam coisas desagradáveis que vão, inclusive, nos fazer questionar o que antes era verdade absoluta.
O ano novo já está aí. De novo ele entra em nossas vidas sem que peçamos, sem que o desejemos. É retrato do tempo cíclico, das estações do ano, da renovação necessária. Chega para nos lembrar que somos passageiros do tempo e que um dia esse tempo acaba para uns e  começa para outros. Chega para dizer que não somos mais que seres de passagem neste rasgo de tempo que se chama existência [definido aqui como um vir-a-ser] que nos é oferecido em diferentes etapas da vida.
O Novo Ano já está aí? Já começou em seu ser? Qual a roupa que veste? Quais os sonhos que traz? Qual o impacto que causa? Quais suas reverberações? Ele liberta do passado? Ele impõe um futuro?
O ano novo é um ritual. E todo ritual é uma marca, uma passagem, um recomeço, uma lembrança. Todo ritual é o hoje, o agora, o presente. Seja Presente!

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