Luto por vidas

[Em memória de Moacyr Scliar]


 Sei que o título de minha crônica pode confundir. É um título dúbio e que nos leva a pensar na faina cotidiana de quem milita em busca de espaço político ou cultural. Não é esta minha intenção. Hoje estou especialmente triste e em dias assim fico de luto. Pelos últimos acontecimentos da vida real, motivos há para ficar de luto indeterminadamente, mas o pouco de esperança que ainda trago me impede de lamentar à exaustão. Ainda bem que é assim!


 Estou de luto.


 Luto por vidas. Pela minha, pela dos meus amigos, pela de meus parentes, pela de minha família. Vidas que vêm e vão. Que se encontram, desencontram e sucumbem à passagem do tempo. Vidas que colorem a vida e descolorem as dores, ilusões dos corpos.


 Luto pelo dia de hoje, único, solitário, meu. Experiencia intransigente do corpo que me habita e que joga minhas vaidades por terra enquanto me recorda a frágil estrutura da matéria. Hoje, presente único. Descartável. Com prazo de validade de apenas 24 horas. Ora amargo, ora doce, esse hoje.


 Luto pela alegria perdida, de quem tinha razões para acreditar em algo, mas que agora sente o peso da tristeza. Experimenta em si o tamanho da dor e da morte. Confere em sua própria pele a angústia do ser.


 Luto pela inconstância e fragilidade da vida, essa irmã que chega e sai na hora que bem entende, sem dar explicações, sem oferecer dote, sem dizer razões.


 Luto pela ilusão que cultuo e que ameniza minhas dúvidas e incertezas. Ilusão de viver para sempre, ilusão do sucesso, ilusão do glamour, ilusão do amor eterno, ilusão de receber recompensas neste ou em outro mundo. Ilusão que afaga meu ego após batalhas vencidas ou mortes necessárias. Ilusão que maltrata a esperança, ilusão das ilusões.


 Hoje estou especialmente triste. Vazio de mim e com certezas demais no horizonte. Isso não é bom. Ninguém deve viver com certezas. Apenas dúvidas alimentam o ser. Vazios são as exatas medidas do Ser: nunca se sentir cheio, pleno, acabado. Vazio, é como deve Ser.


 Hoje estou de luto. Luto por pessoas queridas que agora contemplam o mundo com uma visão privilegiada, visão superior, em 3D. Contemplam o mundo amparados por um telescópio que vê além do tempo, além das ilusões, além das mesquinharias diárias. Isso me alegra enquanto curto a ausência de sua presença, outro nome para saudade.


Será assim que lembrarei para sempre de Moacyr Scliar: Mais que um nome, um Homem.

Comentários

  1. Scliar: mais que um nome

    Em meio à solidão dos meus dias paulistanos, o domingo me chega nublado. Recebo dezenas de e-mails acerca de um homem batalhador que nos deixa de luto.
    Domingo: em meio a tantas buscas e repensando os (des)lugares, não imaginei que – repentinamente - me vestiria de uma saudade tão forte, imortal. A saudade, a luta, o luto sugerem (nas boas palavras de Daniel Munduruku) que Sclair é mais que um nome.
    Domingo: uma lembrança me chega. Vi o Sclair apenas uma única vez. Recordo que me sentei ao seu lado, quase desacreditando no momento mágico que Ñanderu/Deus/Tupã e todos os deuses me permitiram vivenciar. Dou graças pela oportunidade que tive ao compartilhar da mesma mesa com Moacyr Sclair, Daniel Munduruku, Darlene Taukane, Cícero Sandroni e Alberto Costa e Silva no I Colóquio Tradição Oral e Literatura Brasileira, na Academia Brasileira de Letras (ABL), à tardinha do dia 15 de junho de 2009, no Rio de Janeiro, dentro da programação do VI Encontro de Escritores Indígenas.
    Domingo - tarde da noite escrevi ao parente Munduruku para falar da falta que o Sclair nos faz. Ele, Sclair, era um judeu imigrante que distendeu seu olhar de médico sanitarista aos índios; um olhar demasiadamente humano e que a exemplo de Nutles, ele também descobriu que nós indígenas sofremos a dor do holocausto a que fomos submetidos, quando nos fizeram vestir roupas de variolosos. Ao vestir essas roupas – como denuncia Sclair – muitos índios morreram para que os posseiros dominassem a nossa Mãe-Terra. No I Colóquio Tradição Oral e Literatura Brasileira, Sclair revelou que a sua identificação com o índio se deve ao fato de que ele também faz parte de um grupo humano perseguido. E é reiterando seu pensamento em torno da construção de um mundo possível que destaco o seguinte:
    “Nosso parentesco deriva da consciência da marginalização. Somos povos de memória e isso nós temos em comum. Nosso testemunho é, portanto, para que a gente seja um país melhor” (Sclair).

    São Paulo, tempo nublado, 28 de fevereiro de 2011.
    Graça Graúna

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  2. Pois é, amiga.
    Considero o Scliar o mais próximo de todos nós por conta desse seu "parentesco" ao sofrimento de nossa gente. Felizmente tive a oportunidade de conviver conviver com este "irmão" e dele ouvir os mais originais elogios sobre a nossa literatura. Fica a nossa saudade e nossa prece.
    Daniel

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