Pular para o conteúdo principal
SÃO AS TRAPAÇAS DA SORTE
[Por Daniel Munduruku]

A eleição presidencial confirmou a lógica. Aconteceu como havia de acontecer mesmo com o segundo turno trazendo à tona baixarias e outros lagartos. O Brasil continua na direção estabelecida nos últimos oito anos. O que há de ser, não se sabe. Sabemos o que já está à mostra e que pode ser bom para uns e ruim para outros. São as trapaças da sorte, diria o poeta.
Essas “trapaças da sorte” são privilégios que alguns setores acabam recebendo em detrimento de outros. Tudo dependendo, é claro do ponto de vista. Vale lembrar que “o ponto de vista é apenas a vista de um ponto”. Cito algumas delas:
Trapaças da sorte são políticas que privilegiam o desenvolvimento do país a qualquer preço ao custo da destruição do meio ambiente e das pessoas e comunidades que dele dependem para sua sobrevivência.
São as políticas de inclusão social que doam dinheiro às pessoas e não as educam para a autonomia cidadã, tais como as diferentes bolsas distribuídas às famílias.
São as políticas culturais que dão significativas importâncias às manifestações populares e lhes oferecem empoderamento capaz de elevá-las a status de arte.
São as políticas de cotas que privilegiam jovens negros e indígenas, mas que deixam parte da população empobrecida fora das universidades. Estes jovens privilegiados precisam ser cobrados pela oportunidade que lhes é oferecida para que não pensem que são melhores que os outros.
São as políticas de educação que oferecem qualidade duvidosa aos estudantes criando a impressão de que nunca sairemos da categoria de terceiro mundo, alienados e inglórios.
São as políticas de formação para o trabalho que gera trabalhadores em série, mas formam poucos para exercerem função política transformadora.
São os programas sociais que não oferecem o mínimo de qualidade de vida para a maioria da população que ainda vive sem saneamento básico ou água tratada.
São os sistemas de saúde que continuam ignorando as necessidades da população atuando apenas como agente de combate à doença e não como promotores da saúde das pessoas.
Haveria outras tantas a serem citadas. Elas estão presentes em todos os níveis de poder. Não falamos da corrupção dos poderes e da reforma política necessária e urgente; do atendimento às crianças e jovens. Nada dissemos sobre o descompromisso com as pessoas idosas ou com deficiências. Não tocamos no desenvolvimento sustentável contra a política de expansão predatória. Apenas lembramos que não se pode abusar das “trapaças da sorte”.
É certo que a nova presidenta terá à sua frente o desafio de tornar o país transparente e voltado para sua população criando políticas em que as pessoas não sejam vítimas destas trapaças que a sorte oferece. Seria bom que nossa população recebesse a sorte de ser educada nos princípios da ética do empoderamento: cada ser humano agindo conforme sua consciência e não movido por interesses na manutenção de um status conseguido graças as “trapaças da sorte”.
Pense nisso.

Comentários

  1. Meu querido amigo, concordo com tudo o que escreveste, contudo tenho uma ressalva a fazer: não conheço efetivamente, em sua totalidade (de corpo presente, como diria minha avó) a realidade do país, mas posso testemunhar por meu estado - Pernambuco - que hoje alavanca o desenvolvimento no nordeste brasileiro. Todos os dias, acompanho jovens de classes antes desfavorecidas, entrarem na universidade com perspectiva no futuro. Muitos que conheço ( e outros não), estão abraçando a oportunidade que lhes foi dada, através de um emprego digno, com carteira assinada, através da conquista da casa própria. Eu mesma, curso duas universidades no momento, graças a oportunidade que me foi dada,e usarei tudo o que aprender em favor do meu país. Tenho certeza que não estou só em meio a essa ideologia.
    Tenho consciência de que há muito para amadurecermos e avançarmos, mas acredito que damos um passo muito importante nessa caminhada, que foi de dizer NÃO ao retrocesso. Muito preconceito foi quebrado quando um nordestino alcançou o topo dos cargos deste país, e continuaremos nesta direção. Somos um país relativamente jovem, com capacidade de aprender com seus próprios erros.Podemos fazer a diferença, arregaçando as mangas! Minha torcida é para ver pessoas como vc, terem oportunidade neste governo. E te faço um pedido: o que te chegar as mãos para fazer, faça! É assim que conquistamos as mudanças que queremos ver!
    Vc mora em meu coração! Te admiro muito. Te acompanho, mesmo de longe.Façamos dar certo!
    Bjs no coração!!

    Profª Sunamita Oliveira

    ResponderExcluir
  2. Oi Sunamita, obrigado por seu comentário. Ele é muito pertinente e nos faz alertar para elementos que não conseguimos captar, as vezes.
    Quero apenas dizer que não fiz nenhuma afirmação leviana sobre os programas sociais e de inclusão. Apenas disse que é importante que o governo saiba cobrar retorno daqueles e daquelas que são atendidos/as por eles. É isso. Continue escrevendo e opinando.
    Abraço
    DM

    ResponderExcluir
  3. Isso, que nasçam referências! Norteadores, bandeirantes sem facões e bacamartes que mostrem o caminho com a claridade dos pensamentos! São com refências que buscaremos o que é mais nosso e - a partir desse “nosso” - que criaremos o nosso caminho! Já temperamos demais o nosso caldo com o que vem de fora, mas o mestre cuca sempre era alienígena, referência ex-situ! O primeiro passo foi dado, chance de criarmos referências! O segundo passo é com cada um, o da verdadeira autonomia do “savoir faire”, na falta de termo mais totalizante em português! E assim, como na língua, vamos engrossando o nosso caldo! Ainda do saudoso amigo!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...