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Lideranças indígenas debatem Território Etnoeducacional Yanomami e Ye´kuana





Reunidos em Boa Vista (RR), em 30 e 31 de agosto, lideranças e professores indígenas de 40 regiões da TI Yanomami, organizações locais que trabalham com os Yanomami e representantes do MEC e da Funai discutiram a criação do território etnoeducacional Yanomami
e Ye'kuana. Cerca de 60 lideranças indígenas de 40 regiões da TI Yanomamii deram prosseguimento à conversa iniciada em 2009 pelo MEC para discutir novas perspectivas e políticas para a educação escolar indígena, por intermédio da criação dos Territórios Etnoeducacionais. E assim garantir o reconhecimento pelo Estado brasileiro do atendimento à educação escolar indígena de cada povo, a partir de sua própria organização territorial. O representante do MEC, Gersen Baniwa, apontou a necessidade de aproveitar a oportunidade para tirar dúvidas referentes à implantação do território e pensar estratégias para a construção de um diagnóstico da educação escolar indígena na TI Yanomami. A participação de representantes do governo, instituições não governamentais e lideranças indígenas também foi
destacada para discutir a situação atual da educação Yanomami e traçar um Plano de Ação. Gersen Baniwa destacou a necessidade de discutir a proposta e os encaminhamentos para que estejam mais consolidados até o fim do ano, de forma a facilitar sua continuidade depois das eleições e para os próximos anos. Com essa nova política do territór io será possível perceber quais são as fragilidades e as debilidades no atendimento à educação escolar indígena de cada
povo, e apontará para o desafio atual de fazer funcionar a educação escolar indígena específica, diferenciada e de qualidade, como garantem documentos como a Lei de Diretrizes e Bases, o Plano Nacional de Educação e a própria Constituição Federal. Durante a reunião, lideranças Yanomami colocaram as suas insatisfações em relação ao atendimento à educação. Relataram vários obstáculos para o atendimento às escolas por parte das Secretarias de Educação, entre eles o difícil acesso à TI Yanomami, que em grande parte é
feito por via aérea, dificultando o envio de material escolar e o acompanhamento pedagógico. O diretor da Escola Ye´kuana, Reinaldo Wadeyuna Luis Rocha, falou de sua preocupação em relação aos jovens que saem das comunidades para continuar seus estudos na cidade e propôs a criação de escolas profissionalizantes na TI Yanomami. Já Anselmo Xiropino Yanomami, da região do Demini, destacou a necessidade de haver autonomia financeira em cada território,
para que os Yanomami possam ter um controle social efetivo e eficaz sobre os recursos destinados às escolas indígenas. O líder Yanomami Davi Kopenawa relatou o histórico do processo de escolarização pelo qual passaram os Yanomami e concluiu apontando para a necessidade de os Yanomami aprenderem a ler e escrever para fazer documentos e defender seus direitos e suas línguas maternas. Foi formada uma Comissão Gestora composta por 20 representantes Yanomami e 23
representantes de todas as instituições que trabalham com educação na TI Yanomami. Ela será responsável, entre outras coisas, por coordenar um diagnóstico da educação escolar indígena dentro do território. A partir desse diagnóstico será possível elaborar um Plano de Ação, que
deverá conter as necessidades e prioridades a serem atendidas em relação à educação. E contará com o apoio do MEC e da Funai. Uma segunda reunião deverá ser marcada para o início de novembro, com a participação da Comissão Gestora que deverá apresentar parte do diagnóstico realizado e dar encaminhamento às próximas ações dentro do território. Sobre o reconhecimento da educação escolar indígena a partir dos etnoterritórios Em 27 de maio de 2009 o presidente Lula assinou o decreto nº 6.861 que reconhece os territórios etnoeducacionais. A primeira ideia associada ao decreto, é o reconhecimento pelo Estado brasileiro da organização territorial pensada a partir da perspectiva dos próprios indígenas.Há uma dupla vitória nesse sentido, que desvincula a concepção e prática da
educação escolar indígena dos espaços não-indígenas. Ou seja, pensada a partir dos municípios e estados como era feita até então. Agora a educação indígena é pensada a partir da configuração espacial que é concebida, organizada e estruturada pelas próprias populações
indígenas. Outro ganho que o decreto trouxe diz respeito ao quesito "específico", tão caro e tão presente em todas as políticas públicas direcionadas para a educação dos povos indígenas. Todos os esforços feitos nesse sentido, ao mesmo tempo que buscaram considerar os direitos das populações indígenas em relação à sociedade nacional, colocava em um mesmo patamar povos inseridos em contextos históricos, geográficos, socioculturais completamente distintos, achatando a diversidade e a especificidade de cada povo indígena. Assim, o específico acabava por ficar nessa relação mais ampla entre "povos indígenas" e "sociedade nacional", desconsiderando a diversidade e a abrangência desses dois conceitos. Sob esta perspectiva pode-se começar a colocar na prática grande parte do que foi escrito nos
últimos 20 anos e que teve até então muita dificuldade de ser garantido e operacionalizado. Em vez da educação indígena diferenciada, multilíngüe, específica, pode-se falar com mais
propriedade de uma educação que atenda as especificidades de cada povo. Da "educação dos povos indígenas" passa-se para a "educação do povo Yanomami e Ye´kuana". Portanto, o território será um instrumento político que deverá dar conta de todos os assuntos que estiverem relacionados à educação, desde a formação dos professores, a estrutura e reconhecimento das escolas e dos PPPs até o envio de material escolar e merenda. Com esse novo cenário, a expectativa por parte os indígenas é grande e, embora os resultados mais concretos só comecem a aparecer a médio e longo prazo, com a implementação do
Território Etnoeducacional nesse momento, e, posteriormente, com a criação do Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena, espera-se um grande avanço no atendimento à educação escolar indígena que finalmente contemple os anseios e as demandas das populações indígenas.
ISA, Hanna Limulja.

Fonte: Clipping da 6ª CCR do MPF.

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