SOBRE ARANHAS E LIVROS
Mais uma da série "Crônicas a granel", para meus amigos.
Nunca
fui chegado à leitura de livros. Houve um encanto inicial logo que entrei na
escola. Tudo ali era um encanto, pura magia. As palavras saiam da boca de meus
professores trazendo histórias que estavam dentro das páginas de livros que
eles pegavam para ler para nós. Meus colegas e eu ouvíamos com certo
encantamento imaginando de onde vinham aquelas histórias. Autor nunca sabia
quem era. Quase sempre gente morta. Era um completo mistério.
Quando
cresci um pouco mais a leitura ficou um tédio. Os professores do ginásio
(nomenclatura da época para o que hoje é o fundamental II) não tinham mais
paciência conosco. Ao invés de nos encantarem com a leitura das histórias que
os livros traziam, passaram a nos desencantarem com a obrigatoriedade de ler
para passar de ano. Os livros passaram a ser nossos inimigos e as histórias que
traziam, um xarope que a gente tinha que enfiar goela abaixo.
Quando
eu passei para a quinta série, tinha uns 13 anos de idade. Já era um “galalau”,
como se dizia à época. Ou seja, já passara a ser adolescente e com outras
responsabilidades diante de minha família, da sociedade e da escola. Isso tinha
diferentes repercussões dentro de mim. Primeiro porque eu não suportava a ideia
de ser “índio” e viver enclausurado a uma comunidade, tipo, no meio da
floresta. Meus pais queriam que eu seguisse todas os rituais e assim o fiz, mas
alguma coisa dentro de mim me inquietava; a sociedade em que vivia na cidade me
desprezava e desprezava os meus. Como poderia eu querer contribuir com uma
sociedade assim? E a escola onde passava maior parte do meu tempo era muito
chata e enfadonha. Estava, portanto, numa “sinuca de bico” que me colocava a
necessidade de escolher.
Foi
ai que descobri a leitura. Melhor, descobri a biblioteca. Ou quem sabe a
leitura tenha me descoberto. A escola em que estudava era bem diversificada em
livros. E uma das nossas contribuições à instituição era ajudar na limpeza e
organização dos espaços. Um dia fui escalado para limpar a biblioteca. Esse era
um lugar para mim indiferente porque quase nunca íamos lá. Parecia-me hermético
demais para ser visitado. Adentrei o estabelecimento. Estava bastante
organizada, mas um pouco suja. Passei a varrer o chão do lugar. De repente
notei que tinha uma aranha que fazia sua teia em uma estante de livro. Meu
trabalho era justamente limpar e não deixar que aquela coisa tomasse conta do
lugar. Assim, fui lá e passei o espanador na teia da aranha que tratou de se
esconder para não ser varrida junto. Meu trabalho estava feito.
Quando
voltei no dia seguinte vi que a aranha tinha feito novamente a teia na mesma
prateleira sem se importar com meu trabalho. Não pensei duas vezes e fui logo
limpando o local para não permitir acúmulo de sujeira. Teia retirada, trabalho
realizado. Tudo conforme a ordem estabelecida. O pior, no entanto, foi voltar
no terceiro dia – que seria meu último naquela função – e ver que a maldita
aranha tinha novamente montado sua teia naquele mesmo lugar. Fiquei tão furioso
que quis saber por quais motivos a bendita insistia com aquela armação toda.
Sem desespero fui até a estante e olhei sobre quais livros a teia estava
montada. O primeiro livro que tirei me chamou a atenção porque trazia um menino
louro usando uma roupa colorida na capa. Comecei a folhear o objeto. Não era um
livro comum. As letras eram um pouco maiores que os de leitura obrigatória e
logo na primeira página tinha a imagem de uma cobra que engolira um elefante.
Achei aquilo muito esquisito e passei a ler do que se tratava. Contava a
história de um menino que se perdera de seu mundo e tinha vindo parar no
deserto. Era a história de O Pequeno Príncipe.
Não
consegui parar de ler o livro. Queria logo saber como acontecera aquele
acidente e como o menino tinha resolvido o problema. Pedi para o colega que
iria me substituir na função me deixasse ficar ali mesmo por mais alguns dias.
Ele topou desde que eu fizesse alguns favores a ele. Eu concordei sem
pestanejar.
Todos
os dias eu voltava para a biblioteca e lia um pouco aquela obra. Fui decorando
as falas e as repetia para os outros colegas para não esquecê-las. Além daquele
livro passei a buscar outros que me ensinassem algo tão fantástico assim.
Peguei gosto pela leitura e nunca mais parei de frequentar bibliotecas em todos
os lugares por onde passava. Eu levava os livros comigo e os lia sempre que
tinha um tempo livre ou andava de ônibus ou podia sentar na praça perto de
casa.
Nunca
mais esmaguei aranhas. Elas desenvolveram em mim o gosto pela leitura.
Conseguiram me prender em sua teia.
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