Pular para o conteúdo principal
NÃO VOU LIGAR MAIS PARA TI

Cansei. Não atenderei mais tuas chamadas. Cansei de servir de inspiração para os textos que escreves. É torturante saber que sempre falas de mim com um pouco de amor e uma overdose de mágoas.
Não atenderei mais tuas ligações. Elas são sempre vazias de sentido. Também não te ligarei mais. És sempre tão literal que me cansa ser alvo de textos - curtos ou longos - que falam de um amor que nunca é ou nunca foi.
Tu me deixas muito confuso, cafuzo. Falas pelas entrelinhas de mim mesmo ao simples som de minha voz ao atender tua ligação. Como podes ser tão sedenta de minhas palavras? Como podes me usar desse jeito?
Não vou mais ligar para ti. Nem uma única vez irei ligar mais para ti. Tenho que resistir à saudade que me atormenta e que alimenta tua escrita. Não posso mais ser teu muso inspirador, pois já fui tanto e tantas vezes! Tenho que me esforçar para não lembrar de ti com vontade de te ligar, ouvir tua voz macia e teu riso sedutor. Tenho que deixar de fitar teus grandes e deliciosos olhos que encantam e me adoçam a boca.
Não. Não posso mais ligar para ti quando estiver dirigindo. Eu sempre hei de falar coisas que não devo e depois reclamar do que disse. E ainda terei que te ouvir falando grosserias em meus ouvidos.
Dessa vez é definitivo: não vou mais ligar para ti. 
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...