Pular para o conteúdo principal

MT – Indígenas Kayabi, Apiaka e Munduruku sofrem ameaças e pedem à Justiça a manutenção da liminar que paralisou a usina de Teles Pires


Por racismoambiental, 02/04/2012 10:38
Após a paralisação, por liminar da Justiça Federal, das obras dahidrelétrica (UHE) de Teles Pires l na região de Alta Floresta (MT), os indígenas Kayabi, Apiaka e Munduruku, que vivem na área de impacto da usina, têm sido alvo de ameaças. Neste fim de semana, lideranças que estavam na cidade foram agredidos verbalmente por trabalhadores da obra, e dois de seus barcos tiveram os motores roubados. Em uma das embarcações, foi encontrada uma espingarda calibre 12 com munição, o que foi interpretado como ameaça de morte.
De acordo com Jacira Monteiro de Assis Bulhões, do Ministério PublicoFederal no Mato Grosso, o MPF tem instruído os indígenas a não circularem sozinhos na cidade e a evitarem confrontos. “A maioria deles já voltou para as aldeias, mas ainda assim estamos pedindo que tenham cuidado”, afirma Bulhões.
Assim que foi notificada da liminar, a Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), que detém a concessão do empreendimento, divulgou uma nota na qual afirma que a decisão judicial “coloca em risco o emprego de aproximadamente 2.300 trabalhadores (…), a suspensão de outros contratos com fornecedores de bens e serviços, além da interrupção de todos programas ambientais e sociais integrantes do Programa BásicoAmbiental – PBA”.
De acordo com as lideranças indígenas, tanto a nota quanto a imprensa local têm responsabilizado os índios pela perda de empregos e benefícios, atiçando moradores e trabalhadores contra eles. Para o Ministério Público Federal, além de equivocada, a nota da CHTP inverte a lógica dos impactos do empreendimento. “Nem sabemos se o número de trabalhadores da obra é o alegado, mas a questão é que a usina, se construída, vai destruir um local – as corredeiras de Sete Quedas do Teles Pires – que, mais do que a área mais sagrada da cultura espiritual dos Kayabi, é o nascedouro dos peixes que alimentam a população indígena. Serão 15 mil pessoas que perderão sua fonte de alimento e sobrevivência, número bem maior do que os trabalhadores temporários das obras”, explica o procurador do MPF no Pará, FelícioPontes, Jr.
De acordo com a decisão da juíza federal Célia Regina Ody Bernardes, que deferiu uma Ação Civil Pública com pedido de liminar do MinistérioPublico Federal no último dia 26, “a Licença de Instalação nº 818/2011 não atendeu à normativa constitucional e convencional acerca das sensíveis questões envolvidas no complexo licenciamento ambiental da UHE Teles Pires. O Ibama emitiu a Licença [da obra] sem antes ouvir os povos indígenas afetados”, e “descumpre obrigação internacionalmente contraída pela República Federativa do Brasil, notadamente a de aplicar a Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais”.
*Documentos*
Neste sábado, 31, os Kayabi, Apiaka e Munduruku divulgaram três documentos, assinados por 58 lideranças das três etnias. O primeiro foi direcionado à CHTP, cobrando a retratação da nota publicada na última semana. Os indígenas afirmam que “o empreendedor usa seu poder econômico para se valer dos meios de comunicação, passando ao público uma informação equivocada e que incita população local contra o povo Kayabi, Apiaka e Munduruku”. Segundo o documento, as afirmações da CHTP “poderão desencadear atos de violência e aumentar atos de preconceito e discriminação” contra as populações indígenas.
Um outro documento, “Manifestação Pública dos Povos Indígenas Kayabi,Apiaka e Munduruku”, confirma que “jamais fomos consultados acerca destes empreendimento” e que não aceitam o Projeto Básico Ambiental, por representar “negociações com um empreendimento que viola todos os nossos direitos desde o inicio de seu licenciamento”. Alem disso, exigem a demarcação imediata das terras indígenas Kayabi, Apiaka e Munduruku, TI Pontal de Apiakás Isolados, TI Munduruku do Jemanxim na Calho do MédioTapajós, e TI Kayabi do Batelão.
O terceiro documento é uma “Nota de Apoio” à liminar concedida pela Justiça Federal, direcionada ao Conselho Nacional de Justiça, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, Governo Brasileiro e Ministério Público dos Estados de Mato Grosso e Pará. A nota reitera que “a decisão (da Justiça) condiz com a verdade dos fatos enfrentados pelos nossos povos e que jamais fomos consultados a respeito do empreendimento”. “Esperamos que Vossas Excelências (…) não derrubem a liminar e garantam o cumprimento da ordem jurídica brasileira, que não pode ser suspensa em virtude do poder político e da super exaltação da ordem econômica, pois isto não condiz com o Estado democrático de Direito”.
A CHTP é composta pela Neoenergia (com participação majoritária da Previ e Banco do Brasil), Eletrosul, Furnas e Odebrecht. O consórcio contratado pela CHTP para construir a usina inclui a Odebrecht, PCE e Intertechne, além das multinacionais Alstom (França) e Voith (Alemanha).
Mais Informações:
Jamilye Salles, advogada, (91) 8173-2001.
Enviada por Mayron Régis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...