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SOBRE SAPOS E ARANHAS

[por Daniel Munduruku]

Parece que tudo vale em uma disputa política. É um constante digladiar-se na tentativa de fazer com que a opinião pública tome uma decisão para um lado ou para outro. Sabe-se que não se faz isso pelo prazer de servir ao povo, mas para servir-se dele que, ingenuamente, vai engolindo sapos e aranhas. Algumas vezes tais sapos e tais aranhas são devidamente vestidos de uma roupagem que nos faz comprar gatos por lebres. Este é o jogo (sujo ou não) da política.
Já afirmei outras vezes que política é arte da negociação, do diálogo. Claro que me refiro aqui à Política autêntica, ao jogo democrático que nos torna mais humanos. É por isso mesmo que para alguém ser político não precisa ter curso superior ou mesmo algum grau de instrução mais elevado. Isso se dá pelo fato de que negociar é arte do convencimento e é senso comum que um bom vendedor não precisa ter diploma, precisa ter lábia, ser virado, ter capacidade de “vender” seu produto.
Não há dúvidas, no entanto, que pessoas bem instruídas são menos passíveis de serem engambeladas ou levadas a assinar documentos dos quais não tenham perfeita compreensão. Por outro lado, porém, os mais instruídos conhecem os caminhos para burlar a lei e se saírem bem diante das tramóias que praticam (sobretudo se estão envolvidos no mundo político).
Estamos diante de um quadro novo para o segundo turno. Novo, modo de dizer. Já era o esperado. O que talvez não fosse esperado era o tom que a campanha alcançaria fazendo os dois candidatos ora atacarem ou defenderem-se de questões de fórum íntimo como as discussões sobre a crença individual ou sobre a não-crença de um/a ou de outro/a. Acho isso lamentável. É a política do vale-tudo para se chegar ao poder. Lamentável a postura das igrejas que estão indicando o/a candidato/a como o demônio da vez.
Confesso que fiquei pasmo ao ler um folheto entregue em uma paróquia da cidade onde resido conclamando seus fiéis a votarem no candidato X. Deu-me saudade da Igreja Libertadora. Senti falta de ministros engajados em formar a consciência crítica de seus fieis e não tratá-los como incapazes de avaliação. Não sou contra a evangelização. Contra sou da doutrinação que impede as pessoas de se engajarem nas causas sociais porque são julgadas incapazes e ensinadas a acreditar, ainda, que na política também é preciso exorcizar quem pensa diferente. Lamentável. Espero que nosso povo saiba estar acima destas questões bairristas e paroquiais. Para o bem de todos!

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