Pular para o conteúdo principal

Conclave com cem caciques decidirá resposta contra hidrelétrica


Índios da região do Rio Xingu, no sudoeste do Pará, abandonaram pelo menos por enquanto quaisquer ideias mais radicais para lutar contra construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Reunidos em assembleia nos dois últimos dias, em Altamira, a cerca de 900 quilômetros a sudoeste de Belém, eles decidiram fazer um conclave envolvendo todos os caciques da região, cerca de 100.
No encontro - ainda sem data marcada, por causa da logística de transporte que envolve dias e dias em jornadas de canoas, dinheiro para contratar aviões e voadeiras - eles pretendem cobrar do governo explicações mais detalhadas sobre a obra e, principalmente, sobre o alcance da barragem, que deverá ter cerca de 500 quilômetros quadrados. No domingo, o cacique Akiaboro, líder geral de todas as aldeias Caiapó, havia afirmado que os índios poderiam ir à luta, talvez até sangrenta, contra a construção da usina. "Ou o governo inicia um diálogo com os índios ou teremos de ir à guerra. Isso será muito ruim, porque haverá muitos mortos."
Hoje, depois de ouvir cerca de 20 lideranças indígenas, Akiaboro comunicou que os caciques de todas as tribos de nove etnias é que vão decidir o que fazer. Akiaboro disse que é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente da Funai, Márcio Meira. Mas, segundo ele, embora os índios tenham pedido a abertura de canais de negociação com o governo, nada conseguiram "Estive com o presidente Lula na inauguração da Reserva Raposa/Serra do Sol, no dia 19. Ao final, entreguei a ele um documento e pedi que ouvisse os índios", relatou o cacique.
Segundo Akiaboro, Lula disse que faria sim o diálogo. "Mas agora li na internet que o presidente afirmou estar disposto a fazer a usina, de qualquer jeito". O cacique disse que pessoalmente é contra a construção da barragem de Belo Monte. Mas não pode falar sozinho. Por isso, quer ouvir os outros índios e também o governo. O cacique lembrou que é um dos integrantes do Conselho Nacional de Política Indígena (CNPI) e que, nesta condição, vai exigir do governo a abertura de um diálogo para que sejam dadas as explicações sobre o alcance da barragem da Hidrelétrica de Belo Monte.
Os índios do Xingu estão mais comedidos do que desejavam as organizações sociais que também atuam na área, numa frente de combate à construção da usina. Entre elas, a Prelazia do Xingu, o Instituto Socioambiental (Isa) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Elas queriam a princípio que os índios ocupassem a Ilha do Pimental, a cerca de 40 quilômetros de Altamira, no local onde será construído o paredão da barragem.
Para o cacique, a Funai deu a anuência para a construção de Belo Monte porque é um órgão do governo e não vai brigar contra si mesma. Nesse caso, segundo ele, a Funai não pode falar pelos índios. "Tem muita gente que mora nas cidades, estudou, não vai mais à aldeia. O governo tem de ouvir os que moram nas aldeias " Os contrários à construção de Belo Monte afirmam que o desvio da água do rio para dois canais que irrigarão o reservatório vai secar um trecho chamado de Volta Grande, onde ficam diversas comunidades indígenas. Com isso, suas atividades de sobrevivência e busca de alimentos poderiam ficar inviabilizadas
A Hidrelétrica de Belo Monte está prometida há 30 anos. Quando ficar pronta, deverá gerar até 11.233 megawatts de energia - a terceira maior do mundo. Deverá custar R$ 19 bilhões. Seu leilão ocorreu no último dia 20. Antes, o governo teve de derrubar todas as liminares contra o leilão concedidas pela Justiça Federal de Altamira. (João Domingos - AE)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...