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Ler é somar-se ao mundo


A leitura tem sido propagandeada como um bom instrumento para nos tornar mais participantes do mundo e das decisões que acabam afetando nossas vidas. É verdade. Também acredito nisso. Mas isso não pode ser dito apenas a respeito da leitura que se faz nos livros. Há outras tantas formas de ler o mundo que devem ser levadas em consideração para não se correr o risco de parecer arrogantes.
Penso por exemplo, na leitura de mundo que fazem os povos tradicionais. Considerados ágrafos durante muito tempo não se pode negar a eles uma sabedoria que vai além da compreensão capitalista da transformação da realidade.
Para a sociedade capitalista a transformação do mundo tem a ver com o domínio da natureza e com o consumo que isso gera. É a política posta em prática quase sempre quando se diz que é preciso interferir no mundo de maneira inclusivista. Políticas de inclusão são, normalmente, desenvolvidas visando tornar o diferente - índio, negro, pobre, deficiente.. - um igual. É tornar o diferente adepto do sistema que sempre o excluiu. É, portanto, uma política de subtração. De negação. A meu ver, claro, isso é péssimo, pois anula as diferenças tão necessárias para o jogo da boa convivência.
Já a leitura que os povos tradicionais fazem da realidade é soma. Eles nunca pensam que devemos dominar a realidade ou transformá-la no sentido de destruí-la ao nosso favor, mas viver com ela os compassos que o Criador desenhou para nossa caminhada.
Ler é somar-se ao mundo. É conhecê-lo. É respeitá-lo. O mundo é uma entidade viva que conta com nossa solidariedade para continuar a nos manter vivos.
No dizer do povo Guarani é preciso assumir uma postura de guardiões do planeta. E para isso precisamos estar atentos para que o céu não caia sobre nossas cabeças. Por isso nossos povos cantam e dançam com a esperança de “manter o céu suspenso”.

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