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PARA ALÉM DOS MUSEUS, A MEMÓRIA






Recentemente foi noticiado o fato de que lideranças do povo Munduruku estiveram em um Museu de História Natural de Alta Floresta/MT de onde retiraram as “urnas funerárias” da instituição. As tais urnas haviam sido surrupiadas do território dessa gente quando da construção das Usinas Hidrelétricas Teles Pires e São Manoel.
Segundo consta, para a construção da referida barragem foram necessárias a destruição de lugares considerados sagrados pela gente Munduruku, apesar dos protestos e das negociações em curso para que tal ação não ocorresse, pois incidiria sobre a sua crença ancestral.
Conversa vai, promessa vem o consórcio vencedor do certame garantira que nada iria ocorrer sem a devida autorização dos indígenas Munduruku. Isso, claro, não foi cumprido. Aliás, não faz parte manter palavra para quem só pensa em dinheiro. O ato se consumou e as urnas foram retiradas e levadas para o museu acima citado.
Acontece que com as “formigas guerreiras” não se brinca e nem se faz promessa vazia.  Cerca de 70 guerreiros e guerreiras, alicerçados na crença de que não se pode prender os espíritos da natureza, se dirigiram ao Museu de História Natural de Alta Floresta – MT e reivindicaram a devolução dos objetos para seu lugar de origem.
O objetivo era muito claro: estabelecer o equilíbrio entre o homem e a natureza; devolver os espíritos para seu lugar de origem para que tudo voltasse ao seu estado normal. Somente assim a paz pode reinar.
Refletindo cá com meus botões fico imaginando o que passa na cabeça dessa gente que acha que pode colonizar a crença das pessoas; acha que pode entrar na casa dos outros e saquear tudo e ainda pensar que “está fazendo o bem”. Penso que há muito o que descolonizar para que, quem sabe, a gente consiga harmonizar nossas existências.
Para quem pensa que “objetos são apenas objetos” e que por isso podem virar produtos, costumo lembrar que, para além dos museus, existe a memória viva. É ela quem nos torna partes do mundo em que vivemos. É ela que nos permite compreender quem somos e porque estamos neste mundo. Nossa memória não tem preço. Nossos ancestrais estão vivos em nós. Sawé!
Quem desejar ler as justificativas dadas pelos Munduruku para sua ação de “reintegração sagrada de posse” basta visitar o site: https://movimentoiperegayu.wordpress.com/2019/12/30/resgate-das-itiga-pelo-povo-munduruku/?fbclid=IwAR0hmQ4HY1B49bJe2hKDv6xlektgsWMUGT1IYdrdVMZLbcOtHs4TUkXyGwY

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