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Omissão e violência

Da Editoria 
O relatório anual Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado na última sexta-feira, em Brasília, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, comprova um fato que vem ocorrendo há vários anos no Brasil e que até o momento ainda não mereceu atenção do governo. A saúde indígena é um caos e as mortes continuam aumentando. De acordo com o relatório, mais de 23 mil indígenas ficaram sem atendimento à saúde por omissão do Poder Público no ano passado.
Essa omissão traz consequências desastrosas. Sabe-se que a falta de assistência aos indígenas levou 41 adultos e 16 crianças à morte. A omissão do Estado também foi relacionada a 90 casos de desnutrição, 41 casos de dependência química e até 19 casos de suicídio e tentativas de suicídio entre os indígenas.
Casos de desnutrição são antigos e já levaram à morte muitas crianças nas aldeias Xavantes, localizadas na região do Araguaia, em Mato Grosso. No Mato Grosso do Sul as mortes por desnutrição e outras doenças são constantes, assim como a violência praticada por poderosos fazendeiros que hoje ocupam terras indígenas, mas, amparados pelo poder econômico, ganham liminares e mais liminares que lhes permitem explorar a terra, enquanto índios ficam acampados na beira de estradas, passando fome e toda espécie de privação.
Um grande problema, que complica ainda mais essa situação, é a morosidade em relação à regularização de terras indígenas, o que provoca violência no campo. Segundo o documento divulgado na sexta-feira, 60 indígenas morreram assassinados no ano passado, principalmente por causa do conflito de terras com fazendeiros. Mais da metade das mortes ocorreu no Mato Grosso do Sul.
Atualmente há cerca de 20 áreas em processo de regularização em Mato Grosso do Sul, que deveria ter sido concluído há mais de um ano, conforme Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo Fundação Nacional do Índio (Funai). Tudo isso fica emperrado na esfera judicial e os povos indígenas perdem seus direitos, vendo crianças morrerem desnutridas, os índices de suicídios aumentando.
Seis grupos de trabalho foram escalados pela Funai para fazer a identificação das terras indígenas nas bacias dos rios que cortam Mato Grosso do Sul, mas a atividade é impedida por meio de recursos judiciais dos fazendeiros que disputam a área.
Enfim, o quadro é caótico, a Justiça e o próprio governo não contribuem para que isso mude. De realidade mesmo temos que as nações indígenas pagam caro por essa omissão e pela falta de vontade política para mudar um quadro que a cada ano piora mais. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em relação à Raposa Serra do Sol, em Roraima, deveria ser um divisor de águas. Porém, ao que tudo indica, pouco vai significar quanto à regularização de outras áreas. Infelizmente essa é a dura realidade.


Gazeta Digital

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