Pular para o conteúdo principal

MANIFESTO

Tendo nascido em uma sociedade onde as pessoas são educadas para sentirem-se parte do todo;
Onde o tempo não é linear impedindo que as pessoas desperdicem suas vidas correndo atrás de riqueza e poder;
Onde cada fase de vida é tratada como um processo que nunca mais se repetirá e por isso deve ser vivida em sua plenitude;
Onde a relação com a natureza não é de domínio, mas de convivência;
Onde as pessoas se sentem solidárias umas às outras e capazes de partilhar seu pão e sua poesia;
Onde o passado é visto e respeitado como memória e o presente como uma dádiva que precisa ser usufruída e agradecida em todo momento;
Onde as crianças tudo podem porque são educadas pelos velhos, que tudo sabem;
Onde os saberes são partilhados pelas histórias contadas nas noites sem lua para nos lembrarem que somos partes do mundo e não seus donos;
Onde, enfim, somos desde que nascemos e nascemos para sermos inteiros, completos, não no futuro distante, mas no agora, no presente, hoje...
Entendo que é preciso valorizar todos os saberes;
Respeitar todas as diferenças;
Estimular cada vida;
Aceitar a diversidade de ideias;
Despertar cada vocação;
Alimentar cada sonho;
E sonhar, sonhar, sonhar.
Sonhar um sonho possível de tolerância, respeito, dignidade, direitos.
Sonhar um mundo que nos faça ter dignidade por acolher o que cada ser é.
Sonhar uma realidade que seja composta de alegria, alimentada pela liberdade de ser, viver sem competir para mostrar mérito sobre a outra pessoa.
Ah, como tenho o desejo de construir uma realidade em que possamos, de fato, sermos mais por sermos Um!
Alguém dirá que é utopia. Dirá bem, dirá certo. É.
O mais legal é saber que ela é possível. Eu a vivi. Eu vim de lá.
É o que quero oferecer aqui. Esse é o bem viver que aprendi de minha gente. É ser Presente. É ser parte. É pertencer. É me importar com meu lugar. É me comprometer com a minha realidade. É não ficar indiferente. É não aceitar que digam que não posso fazer. É ser livre. É entender que minha realização só é possível quando o outro também se realiza. É ser solidário, solícito e coletivo.
Enfim, é Ser.

Daniel Munduruku
Lorena, verão de 2020.
áudio deste texto pode ser ouvido em: https://www.youtube.com/watch?v=0uPZY7FVI_A

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...