DEIXANDO QUE O OUTRO SEJA - Educação como prática de Liberdade
Educar é um ato heroico em qualquer cultura.
Talvez seja pelo fato de que educar exija que a
pessoa saia um pouco de si e vá ao encontro do outro; um outro desconhecido; um
outro anônimo; um outro que me questiona; um outro que me confronta com meus
próprios fantasmas, meus próprios medos, minha própria insegurança.
Talvez seja pelo fato que educar exija sacrifício,
exija renúncia de si, exija abandono, exija fé, exija um salto no escuro.
Talvez por isso seja algo para poucos.
Seja para pessoas que acreditam nas outras pessoas.
Seja para pessoas que não se acomodaram diante da
mesmice que a sociedade pede todos os dias.
Talvez por isso seja mais fácil encontrar
professores que educadores:
Professores são donos do conhecimento.
Educadores são mediadores.
Professores são profissionais do ensino.
Educadores fazem do ensino um estímulo para seu
crescimento pessoal.
Professores usam a palavra como instrumento.
Educadores usam o silêncio.
Professores batem as mãos na mesa.
Educadores batem o pé no chão.
Professores são muitos,
Educadores são Um.
O educador tem os pés no chão, mas sua cabeça está
sempre nas alturas porque acredita que quem está à sua frente não é um cliente
esperando para ser atendido, mas uma pessoa aguardando orientações para seguir
seus passos. Esta é a razão de ser do educador. Esta é sua esperança. E para
isso, o educador precisar ser inteiro, precisar ser completo, precisa estar em
sintonia consigo mesmo e com o universo.
Por isso é para poucos, mas não deveria ser assim.
O ideal era que toda sociedade estivesse voltada para a realização de todos e
não apenas para a de alguns privilegiados que se sentem como deuses e querem
decidir a vida das pessoas. O certo era que todo ser humano desenvolvesse seus
dons e talentos para o bem de todos e que não fosse algo extraordinário alguém
sobressair-se por causa de seu potencial artístico. Simplesmente deveria ser
assim com todos; deveria ser comum todos os seres poderem expressar sua alegria
de estar vivo sem precisar “vender” seus talentos para manter-se vivo.
Infelizmente, no entanto, a realidade que vivemos
foi “pensada” de um jeito tal que as pessoas são compreendidas como máquina de
ganhar de dinheiro, como objeto de consumo, como um monte de estrume que
servirá apenas de esterco para aqueles que dominam o sistema atual.
É preciso reverter este quadro. É preciso que os
professores criem uma consciência nova, dinâmica, ancestral para que um novo
jeito de pensar venha à tona e possa colocar em xeque uma sociedade que
desvaloriza o ser humano em detrimento do dinheiro, do acúmulo, do consumo. É
preciso que os professores virem educadores de verdade e possam despertar
nossos jovens para o futuro que se inscreve em nossa memória ancestral. Só
assim teremos um amanhã.
É nessa direção que se inscreve uma educação que se
queira libertadora, emancipadora. Compreender o outro, o aluno, o aprendente
como um ser livre, capaz de fazer suas próprias escolhas desde que lhe sejam
oferecidas ferramentas para perceber a realidade onde vive e, sobretudo, com
capacidade de olhar para trás, sentir-se integrado ao universo, para ter
condições de lançar-se para o tempo que há de vir. Para que isso aconteça, a
criança não deve ser cobrada para que seja outra coisa além de ser criança.
Para cada fase da vida, suas preocupações. Na educação sonhada, há uma única
verdade: nunca perguntar à criança o que ela vai ser quando crescer. Numa
sociedade que se queira equilibrada é preciso oferecer brincadeiras, jogos,
lazer, espaço, circularidade, música, arte, cooperação...É assim que uma
criança aprende, é assim que ela cresce equilibrada, é assim que ela conseguirá
responder aos desafios do mundo e da vida. É assim que ela crescerá livre.
Os educadores sabem que é assim que funciona.
Infelizmente a eles se tem cobrado resultados, números, aprovações, conteúdos.
A escola, no sistema atual, cobra dos educadores uma educação competitiva e não
colaborativa; uma educação para a produção e não para o ócio (tão necessário
para fazer brotar a criatividade); uma educação acrítica porque pensada para
formar robôs alienados.
Não é esta a educação que precisamos. Precisamos de
gente comprometida, gente criativa, gente colaborativa, gente que compreenda
que construir o futuro é, sobretudo, uma aposta no presente. É a criança do
presente que me motiva; é o jovem do presente que me anima; é o adulto do
presente que me provoca; é o velho do presente que me movimenta. Se cada fase
for bem tratada, humanos novos surgirão para dar continuidade ao mundo que
iremos construir.
Daniel Munduruku
Lorena, verão de 2020.
Áudio disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xPcB2p3a7Hs
Me conforta e me inspira nesse momento. palavras do coração... agradeço!
ResponderExcluirPerfeito! Realmente a educação que se vive hoje não é enunca será aeducação que precisamos para viver em uma sociedade onde um olha para o outro e é capaz de juntos fazer um mundo melhor.
ResponderExcluirObrigada, Daniel por semore partilhar conosco tamanha sensibilidade.
Sou sua admiradora e amo seus textos!
Um texto profundo, me fez lembrar de muitos acontecimentos como professora. Sua maneira de comunicar é amável e direta. Gosto muito. Obrigada pelos ensinamentos.
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