Páscoa é Passagem...
Lembro
que o primeiro texto que tive coragem de mostrar para meu professor de
português foi sobre a páscoa. Eu tinha por volta de 16 anos de idade e fazia o
primeiro ano colegial (ensino médio hoje).
Vivendo
num ambiente extremamente religioso e imbuído do espírito pascal que a escola
me proporcionava, redigi uma redação onde colocava o que eu considerava o
verdadeiro sentido da minha fé juvenil: conversão, mudança, transformação.
Falei sobre isso com a desenvoltura de um teólogo e tomei coragem de apresentar
ao saudoso professor Benedito, homem com espírito de mestre. Ele tomou meu
texto nas mãos e leu sem esboçar nenhuma reação que demonstrasse gostar ou
desgostar do que estava escrito. Ao final ele fitou-me nos olhos e disse sem
rodeios: - Vá reproduzir no estêncil a álcool e passe cópias para seus colegas
de classe. Seu texto é muito emocionante!
Não
soube o que dizer. Fiquei numa felicidade tamanha! Não consegui esconder meu
contentamento, dei um forte abraço no professor e corri para o local onde
ficava o mimeógrafo e as máquinas datilográficas. Eu queria ver meu texto
pronto. No dia seguinte entreguei para que cada colega de classe pudesse tê-lo
em mãos na hora da leitura conjunta. Não lembro muito qual foi a reação da
classe e, confesso, não me importava nem um pouco. A felicidade que sentia me
enchia de satisfação e os olhos de meu professor marejando de emoção não saiam
de minha cabeça.
Depois
disso não recordo de ter escrito qualquer texto que tenha valido a pena
enquanto durou minha vida escolar. O certo é que o olhar imperceptível de meu
professor me fez um bem danado. Nunca disse isso a ele, mas sua atitude
arrancou de mim o medo de escrever e, o que é mais difícil, mostrar a outras
pessoas. Perdi o receio delas não gostarem ou criticarem meu estilo.
Aquela
Páscoa foi para mim um momento marcante. Talvez tenha sido um sinal do que
viria acontecer depois. Talvez tenha sido uma provocação divina para mim. Não
sei ao certo e nunca irei saber. Talvez tenha sido apenas a inspiração necessária
para iniciar um caminho que sequer sabia qual era. Não importa. O fato é que
comecei a gostar da Páscoa pelo que ela representava para minha fé: um momento
de passagem da morte para a vida; do sofrimento para a alegria; da angústia
para a liberdade; da solidão para a glória. Tudo isso passou a repercutir
dentro de mim com a mesma certeza do olhar do professor que me fizera crer na
minha capacidade de me comunicar de forma escrita. Nesse dia, eu também
ressuscitei. E passei a mirar os detalhes. E a notar as coincidências da vida.
E a me abrir para o desconhecido. E a dizer sim sempre que o não era mais
forte.
Desde
então procuro não perder a linda celebração que antecede o domingo pascal. É um
ritual que enaltece toda a história da fé cristã. É uma celebração que emociona
porque me coloca em sintonia com o princípio de tudo. Penso que é a mais
indígena de todas as celebrações da igreja, pois ela canta a história de uma
pessoa que viveu plena e radicalmente sua humanidade. No dizer de Leonardo
Boff: “Jesus era tão humano que só podia ser Deus”.
Feliz
Páscoa a todos nós!
Muito bom seu texto, Daniel!
ResponderExcluirQue você nunca perca essa capacidade de recomeçar, de transformar, de dar início sempre, ainda uma vez, que é o sentido da Páscoa!
Feliz Páscoa!!!!
Dani, feliz Páscoa pra você também. Acho muito legal quando garimpamos as boas recordações de infância, da adolescência; quando adulto, descobrimos o que desde sempre nossos ancestrais já sabiam. Parabéns pelo texto. Abraços, Graça Graúna
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