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Quem tem medo do bobo mau?

QUEM TEM MEDO DO BOBO MAU?
Daniel Munduruku
 
Estamos todos indignados com a fala do presidente a respeito dos povos indígenas. Sei que deveria estar também e estou. Estou sem estar, na verdade. Primeiro porque nunca imaginei nada diferente saído da boca de alguém com este histórico de vida. Segundo, porque não se pode esperar que nasçam pérolas de latrinas mentais. Terceiro, porque a formação que ele tem é tão pobre que ele só sabe repetir impropérios, embora ele não saiba o que isso signifique.
Seria como imaginar que ele pudesse nomear alguém para a área da cultura que não odiasse a cultura. Ou para a pasta do meio ambiente um ser que não fosse tão mesquinho, ignóbil e sem noção como o seu atual titular. O que se pode esperar de alguém que indica para o ministério da educação um quase analfabeto?
O infeliz, como se pode notar, nunca cresceu de fato. Ele é de uma geração que aprendeu preconceitos e estereótipos e não consegue se livrar deles porque isso exigiria que se tornasse tolerante, respeitoso, humano. Mas isso dá trabalho demais. Isso exige leitura demais e já sabemos que livros têm letras demais que lhe embaralha as ideias. Pensar cansa e ele está acostumado a cumprir ordens (de militares ou do Trump).
Peço que desculpem minha falta de indignação. É que, graças ao esforço de toda a sociedade civil organizada e consciente, um tipo como ele está sendo deixado para trás. Eu sei que está. Quando vejo as crianças ansiosas em aprender com nossas histórias; felizes por lerem nossos livros; satisfeitas por dançarem nossas danças ou verem os filmes que fazemos, uma esperança me invade. Quando vou às escolas e vejo a ação dos educadores acontecendo, sei que logo teremos uma geração capaz de dar uma resposta mais positiva, digna e humana a estes desmandos.
Continuemos a trabalhar. Governos passam, mas a história continua. Nossa gente sempre soube responder a esse tipo de pária social com mais empenho e participação. Com mais luta e resistência. Com mais arte e rito. Apenas digo: estejamos preparados para responder com criatividade. O que este energúmeno disse sobre nós é a cara dele e de seus asseclas. Isso nada tem a ver com a sociedade brasileira que nos vê como parte dela porque sabe que ela é parte de nós.

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