RÉQUIEM PARA MEU AMIGO

 Os últimos dias foram muitos tristes para mim. Um silêncio pairou sobre minha cabeça desde o momento que soube que meu amigo Manoel Moura fora hospitalizado. Fui buscar alguma força dentro do meu espírito para solicitar aos ancestrais um pouco de luz, para mim e para o amigo. Lia as notícias que eram postadas pelos amigos, os compartilhamentos, as palavras de apoio e consolo. Não quis dizer palavras, mas fiquei com meu silêncio interior implorando pela vida de meu amigo.
Moura sempre foi um amigo muito presente na minha história pessoal. Foi aos poucos se tornando um mestre querido capaz de nos fazer rir ainda que de assuntos muito difíceis e amargos que o entristeciam. Ele não nos permitia ficar lamentando as coisas ruins ou difíceis do nosso cotidiano. Estava sempre nos empurrando para cima, nos fazendo acreditar e buscar os sonhos que alimentavam nossa atuação. Agia como um sábio avô que tinha a certeza de que estava deixando para seus netos uma herança escrita no interior de cada um.
Quando hoje recebi a notícia de que meu amigo tinha ido se encontrar com os ancestrais, meus olhos se encheram de lágrimas. Senti que a negociação que ele estava fazendo com os anjos não havia sido bem sucedida e que o melhor foi que ele ficasse por lá. Confesso que, nesse momento, me senti órfão. Senti que nosso mundo ficou mais pobre; senti que o movimento indígena perdeu seu avatar mais ilustre; senti que nossa luta perdeu seu grande Merlin, o poderoso mago capaz de soluções mágicas e extraordinárias.

Minhas lágrimas não são de dor ou de sofrimento. Minhas lágrimas são um misto de felicidade e solidão. Minha felicidade vem da certeza de ter convivido com um homem de Deus, íntegro, intenso, inteiro. Minha lágrima de solidão me lembra que morrer é um ato de entrega e toda entrega é uma escolha solitária. Morrer é um aprendizado mais difícil que viver. É preciso morrer a cada dia. Morrer é um exercício de solidão. O bom de pensar no amigo Moura é que ele soube ensinar a mim – e penso que aos meus colegas – a viver e a morrer com dignidade.
Ontem, dia 02, reunido com amigos na chapada dos Guimarães, recitei um poema que me é muito caro. Um poema que fala da finitude da vida e da necessidade de nos desapegarmos da vida a cada momento. Recitei para uma amiga que comemorava seu aniversário, mas no silêncio do meu coração o dizia também para meu amigo no hospital. O poema termina assim:
“...E quando se vai morrer lembrar que o dia também morre e que a noite é bela. E belo é o poente que fica” (Alberto Caeiro)
Moura me ensinou a olhar o poente e a contemplar a noite. Hoje, olhando o céu estrelado sinto que meu mestre olha lá de cima por todos nós.

(Daniel Munduruku)

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