SOBRE COPAS E COZINHAS
A
copa do mundo já está a mil. A animação da torcida está de “vento em popa”. Ruas
enfeitadas, casas decoradas, alegria estampada nos rostos antes dos jogos, comemorações
regadas a bebidas e carnes esturricadas. Tudo certo, tudo bem.
O
que antecedeu a realização da copa do mundo no Brasil não foi nada fácil de
aguentar. Imaginar o rio de dinheiro gasto para satisfazer as exigências da
FIFA gerou um grande mau estar na sociedade brasileira. Muitos imaginaram que
gastos tão altos não se justificariam uma vez que o país passa por uma crise
institucional muito grande, talvez sem precedentes. São projetos mal
engendrados pelo executivo que estão gerando um clima de guerra civil, sem
exageros de minha parte.
Muitas
das manifestações populares dos últimos anos trazem consigo a marca da insatisfação
contra a politica pública atual. Sabe-se que foram os indígenas que iniciaram
tais rebeliões. Reivindicavam tratamento digno contra seus direitos ancestrais
que têm sido violados diuturnamente seja pelos projetos megalomaníacos que irão
satisfazer a tara econômica de grupos financeiros, seja pelos péssimos serviços
na saúde, educação, demarcação e outros direitos constitucionais. Esse tipo de reivindicação
acendeu a chama da juventude que percebeu que há um desmando acontecendo, uma violência
institucionalizada que se pode sentir pela desconsideração que o estado
brasileiro tem com seu povo. Reuniram-se jovens para brigar por seus direitos. No
começo, por preços justos nas passagens de ônibus; depois a coisa se estendeu
de tal modo que culminou com a hostilidade apresentada por uma elite de
torcedores contra a autoridade maior da pátria de chuteiras. Literalmente, foi
da copa à cozinha (para não usar um termo mais chulo).
Por
incrível que possa parecer, o protesto dos torcedores contra a presidente da
república foi um afronta à própria sociedade brasileira. Ainda que possa
questionar a politica do atual governo, não se pode negar os avanços que
aconteceram – e que não agradam a todos os segmentos, diga-se de passagem. Confesso
que não me senti representado naquele momento por aqueles pichadores burgueses
que estavam no estádio do Corinthians. Até reconheço que estádio é para estas
coisas. Não a toa a mãe dos juízes de futebol são sempre maltratadas nestes espaços
frequentados por epilépticos. Tudo certo se não fosse errado. A meu ver, foi
errado.
Digo
que foi um afronta para a sociedade brasileira porque penso que o Brasil
cresceu muito nos últimos anos. Não sei se economicamente, mas há de se
considerar um crescimento social importante. É fato que houve um recrudescimento
da pobreza; maior presença de pobres, negros e indígenas nas universidades;
politica de moradias; investimentos maciços na educação; formação profissional
de jovens; maior participação na vida cultural; participação popular; combate a
corrupção, entre outras conquistas. Isso é inegável. E talvez esse tipo de
crescimento social tenha incomodado tanto. Aliás, sinto no ar um grande
desconforto das classes média-alta brasileira com tudo isso. Afinal, encontrar ex-pobres
em espaços que antes eram frequentados apenas pelos sempre-ricos, causa um
surto quase homofóbico nos tais. É a insuportável leveza do ter.
Penso
que essa guerra declarada da elite nacional contra um povo que agora se alçou a
outro patamar é a mola propulsora de tudo o que estamos presenciando nos
últimos tempos: polícia que reprime manifestações de professores; que ataca
jovens em passeata; setor do agronegócio que prega matança de indígenas; saúde
sucateada; educação desvalorizada; universidades se rebelando contra o sistema
de cotas, leis que nadam contra direitos garantidos e um discurso que está no
ar contra o “comunismo”, para mim é sintoma do medo elitista de perder
privilégios e dividir as riquezas que este país produz graças à força de
trabalho dos brasileiros mais desprivilegiados. A elite brasileira está com
medo do povo. Para mim isso é claro.
Sei
que alguém vai ressuscitar alguns discursos antigos para ir contra minha posição.
Sei que alguém dirá que também eu sou da elite e que é fácil para eu criar tal
discurso em defesa do povo. Alguém falará dos “privilégios” que os indígenas
têm; outros dirão que “índio bom, é índio morto”; apresentarão antigos bordões usados
no tempo da ditadura. Enfim, tudo conforme manda o figurino.
Apenas
digo que tenho algumas convicções que foram sendo gestadas ao longo do tempo e
delas não abro mão. Não abro mão, por exemplo, de perceber que nada nos é “dado”
gratuitamente. Tudo tem a ver com a luta que fazemos. Tenho convicção que
conquistas são melhores que caridades; que o único privilégio que me permito é
ser gente de verdade; que não posso fazer concessões; que “navegar é preciso. Viver
não é preciso”.
Enfim,
há muitas vertentes para se pensar quando se pensa em copa e cozinha. A copa é
dos outros; a cozinha – a nossa ou a da presidente – é nossa. Ninguém a mandou
tomar na copa, mas na cozinha. Que isso sirva de lição a ela que precisa olhar
com mais cuidado para sua própria casa.
Amém.
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