Pular para o conteúdo principal

Hidrelétricas ameaçam ritual e sobrevivência de indígenas que consomem apenas peixe

Os Enawenê Nawê, do Mato Grosso, realizam todos os anos o ritual de pescaria que dura vários meses. Ritual é reconhecido pelo Iphan

Manaus, 29 de Março de 2011
ACRITICA.COM

Indígenas Enawenê Nawê estão com sua sobrevivência cultural, espiritual e física ameaçada por hidrelétricas
Indígenas Enawenê Nawê estão com sua sobrevivência cultural, espiritual e física ameaçada por hidrelétricas (Divulgação/Survival Internacional )

Reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural brasileiro, o ritual Yãkwa (pescaria anual), dos indígenas Enawenê Nawê, do Mato Grosso, está com sua existência ameaçada por causa das obras de hidrelétricas previstas para a região.

Os Enawenê Nawê, diferente de outras etnias indígenas, não consomem carne vermelha, apenas proteína de peixe.

No ritual, eles armazenam o peixe para a aldeia que deve durar até a próxima pescaria, no ano seguinte. O peixe também faz parte da cultura e da manifestação espiritual deste povo.

O ritual de pescaria (que chega a durar meses) acontece sempre neste período do ano (a atividade ainda está acontecendo), mas já há preocupação com a drástica redução dos peixes no rio Juruena.

Segundo Sarah Shenker, da ong Survival Internacional, que esta semana divulgou um alerta sobre as ameaças ao ritual, os indígenas estão preocupados por causa da falta de peixe registrada nos dois últimos anos.

“Em 2011, o ritual começou há duas semanas. Ainda está acontecendo. Mas eles não sabiam se vão encontrar peixe este ano para mandar para sua aldeia”, disse Sarah, em entrevista por email ao critica.com.

De acordo com o mais recente documento divulgado pela ONG Survival Internacional, os índios Enawenê Nawê temem que as 80 hidrelétricas planejadas para a bacia do rio Juruena extinguem os peixes e, por conseguinte, sua própria existência cultural e física.

Conforme a Survival, nos anos anteriores os Enawenê Nawê foram confrontados com uma falta de alimentos catastrófica, e a empresa responsável, do grupo André Maggi, pela construção da barragem foi obrigada a comprar 3 mil kg de peixes para os índios.

Há, contudo, um temor recorrente devido ao planejamento de que novas hidrelétricas sejam construídas na área de influência do rio Juruena.

Peixes

Durante o ritial Wãkwa, os indígenas passam meses na floresta. Eles constroem complexos barramentos com madeiras para capturar peixes. Estes são defumados e transportados em canoas à sua aldeia.

A Survival reitera que o Yãkwa é uma parte vital da cultura espiritual dos índios e é crucial para sua dieta alimentar, já que, diferente de quase todos os povos indígenas, os Enawene Nawe não comem carne vermelha.

Em 2008, os Enawenê Nawê enviaram uma carta às Nações Unidas protestando contra as barragens. “Não queremos as barragens sujando nossa água, matando nossos peixes, invadindo nossas terras”.

Conforme informações da Survival, os indígenas já montaram bloqueios e invadiram um canteiro de obras de uma das barragens.

O Diretor da Survival Internacional, Stephen Corry, afirmou que se trata de uma amarga ironia que enquanto o Yãkwa é atualmente reconhecido como ritual integrante à herança cultural brasileira, ele logo poderá deixar de existir. “Todo modo de vida dos Enawenê Nawê está ameaçado”, disse.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A FORÇA DE UM APELIDO

A força de um apelido [Daniel Munduruku] O menino chegou à escola da cidade grande um pouco desajeitado. Vinha da zona rural e trazia em seu rosto a marca de sua gente da floresta. Vestia um uniforme que parecia um pouco apertado para seu corpanzil protuberante. Não estava nada confortável naquela roupa com a qual parecia não ter nenhuma intimidade. A escola era para ele algo estranho que ele tinha ouvido apenas falar. Havia sido obrigado a ir e ainda que argumentasse que não queria estudar, seus pais o convenceram dizendo que seria bom para ele. Acreditou nas palavras dos pais e se deixou levar pela certeza de dias melhores. Dias melhores virão, ele ouvira dizer muitas vezes. Ele duvidava disso. Teria que enfrentar o desafio de ir para a escola ainda que preferisse ficar em sua aldeia correndo, brincando, subindo nas árvores, coletando frutas ou plantando mandioca. O que ele poderia aprender ali? Os dias que antecederam o primeiro dia de aula foram os mais difíceis. Sobre s...

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO

MINHA VÓ FOI PEGA A LAÇO Pode parecer estranho, mas já ouvi tantas vezes esta afirmação que já até me acostumei a ela. Em quase todos os lugares onde chego alguém vem logo afirmando isso. É como uma senha para se aproximar de mim ou tentar criar um elo de comunicação comigo. Quase sempre fico sem ter o que dizer à pessoa que chega dessa maneira. É que eu acho bem estranho que alguém use este recurso de forma consciente acreditando que é algo digno ter uma avó que foi pega a laço por quem quer que seja. - Você sabia que eu também tenho um pezinho na aldeia? – ele diz. - Todo brasileiro legítimo – tirando os que são filhos de pais estrangeiros que moram no Brasil – tem um pé na aldeia e outro na senzala – eu digo brincando. - Eu tenho sangue índio na minha veia porque meu pai conta que sua mãe, minha avó, era uma “bugre” legítima – ele diz tentando me causar reação. - Verdade? – ironizo para descontrair. - Ele diz que meu avô era um desbravador do sertão e que um dia topou...

HOJE ACORDEI BEIJA FLOR

(Daniel Munduruku) Hoje  vi um  beija   flor  assentado no batente de minha janela. Ele riu para mim com suas asas a mil. Pensei nas palavras de minha avó: “ Beija - flor  é bicho que liga o mundo de cá com o mundo de lá. É mensageiro das notícias dos céus. Aquele-que-tudo-pode fez deles seres ligeiros para que pudessem levar notícias para seus escolhidos. Quando a gente dorme pra sempre, acorda  beija - flor .” Foto Antonio Carlos Ferreira Banavita Achava vovó estranha quando assim falava. Parecia que não pensava direito! Mamãe diz que é por causa da idade. Vovó já está doente faz tempo. Mas eu sempre achei bonito o jeito dela contar histórias. Diz coisas bonitas, de tempos antigos. Eu gostava de ficar ouvindo. Ela sempre começava assim: “Tininha, há um mundo dentro da gente. Esse mundo sai quando a gente abre o coração”...e contava coisas que ela tinha vivido...e contava coisas de papai e mamãe...e contava coisas de  hoje ...