Indígenas de MS vão a Brasília em manifestação contra Decreto Presidencial

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Como resultado de reunião é redigida a Carta Aberta dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul
Foto: Deurico/Capital News

Uma van com 16 líderes indígenas sairá de Campo Grande com destino a Brasília, no Distrito Federal. O objetivo é apoiar os índios brasileiros, já em manifestação na capital do país, e pedir pela melhoria do Decreto de reestruturação da Funai, que foi feito sem a participação dos índios, conforme lideranças kadiweu e terena.
O principal ponto do Decreto que incomodou os indígenas foi a retirada dos postos da Funai de dentro das aldeias. Os postos são a representação física da Funai dentro da comunidade, e os índios acreditam que sem eles a comunicação vai ser prejudicada, a aldeia perderá autonomia e a Funai estará mais distante do índio, pois, conforme o Decreto, o órgão teria pólos centrais como representantes, que por sua vez estariam responsáveis pelas aldeias da respectiva região. Os pólos seriam em Campo Grande, Dourados e Ponta Porã.
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Indigenista Juraci Almeida Andrade explica supostos erros do Decreto Presidencial
Foto: Deurico/Capital News
Na manhã de hoje (13), o indigenista aposentado da Fundação Nacional do Índio (Funai), e também Diretor Financeiro do Sindicato dos Servidores Públicos Federais de Mato Grosso do Sul (Sindsep) , Juraci Almeida Andrade, afirmou ao Capital News que o Decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve participação dos principais interessados na reestruturação da Funai, que são os índios, e por isso, deve ser revisto. Ele disse, ainda, que um Decreto não pode ser maior que a Lei 6001, que rege a Funai e dá direito ao índio de participação democrática.
O Decreto foi publicado no dia 29 de dezembro do ano passado, o que, segundo Juraci, é outro detalhe proposital para surpreender os indígenas: “Esta data foi escolhida de propósito, pois Brasília está vazia em questão de autoridades nessa época, três dias antes de acabar o ano”.
Objetivo indígena
O líder indígena Ambrósio da Silva, kadiweu, enquanto esperava a chegada de seus outros colegas para a viagem até Brasília, informou que o objetivo dos índios não é reivindicar seus direitos, pois os direitos já são consolidados, eles querem apenas fazer parte do processo democrático no qual são interessados. “O posto da Funai é o que nos auxilia para fazer parcerias com o município e com o estado. É como se fosse a embaixada brasileira em um país estrangeiro”, exemplifica o indígena.
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Indígena kadiweu Ambrósio da Silva quer melhoria no Decreto
Foto: Deurico/Capital News
Para Ambrósio, Juraci e os demais indígenas presentes no local, momentos antes da viagem, o Decreto deve ser reformulado, pois foi feito sem conhecimento e contribuição dos índios. “Nós queremos o Decreto, queremos a reestruturação da Funai sim, mas não dessa maneira, sem contar com a opinião indígena e afastando mais ainda a Funai dos índios”, explica Juraci. Para ele, as influências do setor de agronegócios podem ter interferido na elaboração do Decreto, pois sem os postos indígenas nas comunidades, os índios ficarão mais vulneráveis e sem amparo para a tomada de decisões, até em relação à demarcação de terras. O líder kadiweu Ambrósio completa dizendo que: “Não fomos nós que fizemos as portarias fundiárias. Agora a Funai nos deixa e nós pagamos o pato”.
Juraci concorda com Ambrósio dizendo que: “A história centenária do indigenista, que começou com Marechal Rondon, não pode ser jogada no lixo por um “gaiato” como Marcio Meira”, referindo-se ao presidente da Funai.
Viagem
A viagem dos 16 líderes foi resultado de uma reunião realizada no último sábado (9), onde 26 caciques das aldeias de Mato Grosso do Sul discutiram o Decreto Presidencial.
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Os líderes indígenas saíram da sede da Condsef de van para Brasília
Foto: Deurico/Capital News
A população indígena de Mato Grosso do Sul é a segunda maior do país, todas as aldeias são no interior do estado e mais de 10 municípios possuem comunidades indígenas. As aldeias representadas na reunião que definiu a viagem a Brasília foram: Limão Verde, Córrego Seco, Aldeinha, Ipegue, Lagoinha, Kadiweu, Água Branca, Lálima, Passarinho,. Amoreira, Cachoeirinha, Moinho, Babassú, Colônia Nova, Recanto, Oliveira, Tereré, Córrego do Meio, Cacique Valdeci, Água Azul, Bananal e Buriti.
Com o que foi discutido em reunião, os indígenas redigiram a Carta Aberta dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul, na qual apontam sugestões para a melhoria do Decreto e a opinião indígena sobre a Funai, a Carta foi enviada a todas as autoridades possíveis, segundo o indigenista Juraci. Confira o documento na íntregra:


Carta Aberta dos Povos Indígenas
de Mato Grosso do Sul

No dia 9 de Janeiro de 2010, frente a uma nova realidade imposta pelo Governo Federal, com o Decreto Presidencial N° 7.056/09, nós, representantes indígenas, da segunda maior população indígenas dos estados brasileiros, integradas pelas etnias Guarani-Kaiowa, Terena, Kadiweu, Kinikinawa, Guató, Ofaié-Xavante e Laianos, presentes na reunião ocorrida em Campo Grande-MS, por meio deste instrumento construído no debate democrático entre as diversas etnias, apresentamos sugestões para subsidiar a construção de uma nova política indigenista brasileira, que contemple nossas necessidades, considerando as especificidades étnicas, socioculturais, econômicas e políticas desses povos.
De ante mão, ao contrário do que foi alardeado pelo atual presidente da Funai, a reestruturação estourou como uma bomba e, se apresenta como um retrocesso ao indigenismo brasileiro, que estará fazendo 100 anos em 2010.
Os Pontos Contrários
1) A extinção de todos os postos indígenas nas aldeias – Esta estrutura mínima é o único instrumento atuante e que de fato marca a presença da Funai nas aldeias indígenas. Mesmo constituídos muitas vezes por um único Chefe de Posto que se desdobra para manter o relacionamento, a proteção e a assistência mínima aos índios que vivem exclusivamente nas aldeias, instrumento este centenários, criados por Rondon ou da época do Império.
A Funai dentro das aldeias só será fortalecida na medida em que haja melhorias, estruturação e logística para transporte das necessidades, informação e informatização.
Sem os postos fortalecidos a Funai “torna-se suscetível aos vendavais políticos”, ficando a comunidade merecer dos interesses políticos partidários e outros interesses escusos.
2) Extinção da Coordenação Geral da Arte Índia, com sede em Brasília, um dos pilares do incentivo a produção cultural e artesanal dos indígenas, elimina o incentivando a produção, a compra do artesanato a preços justos, ficando os artesãos indígenas expostos ao mercado.
3) A não garantia da execução do PCCI dos servidores públicos da Funai - não deixando claro que acontecerá o seu cumprimento.

As garantias que o Governo tem que Oferecer
1) Garantir recursos financeiros e assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento social e econômico das comunidade indígenas mediante a participação das mesmas;
2) Garantir ação coordenada e sistemática na proteção dos direitos desses povos, garantia de respeito e integridade;
3) Promover a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos, culturais, ambientais e políticos dos índios, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições e as suas organizações tradicionais, conforme a Constituição Federal de 1988 e a Lei 6.001, da criação da Funai;
4) Criação de uma coordenação regional nos estados que tenha a prerrogativa de cuidar especificamente ao fomento da produção de artesanato indígena como também o incentivo a sua comercialização, além de desenvolver a agricultura e a pecuária nas terras indígenas, além da preservação da pesca e caça;
5) Desenvolvimento em conjunto com os Povos indígenas de mecanismos integrados de proteção ao seu patrimônio cultural, material e imaterial: conhecimentos tradicionais, como uso de plantas, ritos, danças, mitos, medicina tradicional e artesanatos indígenas (conforme previsto nos art. )58 e 59 da Lei 6.001;
6) Manutenção da Coordenação-geral de Estudos e Pesquisas no âmbito do Museu do Índio;
7) Manter as pesquisas e estudos etnológicos, antropológicos e lingüística em contato direto com as populações indígenas, necessitando inclusive destas, a permissão de visitas de estudiosos, e de publicação de textos oriundos desses estudos, cabendo todos os direitos autorais a Funai;
8) Tipificação da Carreira de indigenista como carreira de Estado;
9) Garantir que a emissão de documentação indígena ocorra através do órgão indigenista oficial, como por exemplo, os registros civis de nascimento, identidade, casamento etc... com reconhecimento e validação efetiva pelo Estado brasileiro em todo território nacional;
10) Criação de instrumentos de controle social dos recursos indígenas, como os conselhos municipais, estaduais e nacional. Compostos por 50% de representantes indígenas, 25% de trabalhadores da Funai e 25% de Gestores. Os Conselhos terão o objetivo de deliberar as políticas públicas e os recursos financeiros para os povos indígenas;
11) Manter a garantia constitucional dos direitos originários na demarcação das Terras Indígenas;
12) Que a aquisição de terras sejam realizadas pela FUNAI, evitando-se o conflito entre indígenas e sociedade envolvente conforme modelo da reforma agrária;
13) Que o Estado brasileiro reconheça e promova o direito à autodeterminação dos Povos;
14) Que o Governo Federal use os dispositivos constitucionais para garantir e promover a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de inclusão social de todos os cidadãos Indígenas, na constante busca para reduzir as desigualdades sociais e regionais sem preconceito de origem e quaisquer outras formas de discriminação; fazendo cumprir seu compromisso de apoio e respeito a auto determinação dos povos;
15) Que a fiscalização dos territórios indígenas seja executada através da Funai, em conjunto com as comunidades indígenas e suas organizações, mediante a regulamentação do poder de polícia, já prevista na lei 6.001/73, com apoio incondicional da Polícia Federal;
16) A reestruturação da Funai deve assegurar a realização de concurso público (em nível fundamental, médio e superior) e a formação dos servidores. Os Povos Indígenas participarão ativamente do processo de seleção dos novos funcionários, no qual estará garantido concurso diferenciado para que os indígenas possam concorrer às vagas;
17) A dotação orçamentária do órgão deverá ser compatível com as demandas apresentadas pelas comunidades indígenas. Não deverá haver as indicações políticas partidárias dentro da Funai, devendo ser contempladas as indicações dos povos indígenas;
18) Que o Congresso Nacional regulamente lei para que o órgão indigenista (Funai) possa ter o poder de polícia, prender e multar o infrator em terras indígenas e que as multas sejam revertidas para as terras indígenas afetadas, dotando a Funai de recursos humanos, materiais e orçamentários necessários;
19) O Governo Federal deve regulamentar o poder de polícia à Funai. Garantindo a capacitação de seus funcionários junto ao Departamento de Policia Federal orientando-os e treinando-os na atuação de registro das situações ilegais e realizando levantamentos de impactos ambientais causados por invasores;
20) Que o Governo Federal garanta e viabilize parceria com as universidades para a autosustentação ambiental das comunidades indígenas e no incentivo da agricultura familiar indígena;
21) Criação de uma política de assistência técnica, de infra-estrutura de produção e comercialização de produtos indígenas;
22) Consultar e ouvir as comunidades indígenas para a implantação de projetos, sejam eles na área de Saúde, Educação, Agricultura etc., respeitando os costumes e tradições daquela comunidade, garantindo a elas acesso aos financiamentos públicos, com o devido acompanhamento de técnicos capacitados e ainda viabilizando o escoamento da safra agrícola, entre outros, com fornecimento do transporte e financiamento.

SÃO NOSSAS REIVINDICAÇÕES

CAMPO GRANDE, MS, 09 DE JANEIRO DE 2010.

Por: Ana Maria Assis (www.capitalnews.com.br)

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